segunda-feira, 16 de maio de 2016

Teologia Sistemática 1 - aulas 05 e 06 – Doutrina de Deus – o Ser de Deus e seus atributos


TÓPICOS DA AULA
1. Importância do tema
2. O Ser de Deus
2.1. Imanência
2.2. Transcendência
3. Atributos de Deus
3.1. Espiritualidade
3.2. Independência
3.3. Imutabilidade
3.4. Infinidade
3.5. Conhecimento
3.6. Sabedoria
3.7. Fidelidade
3.8. Bondade e Amor
3.9. Misericórdia
3.10. Graça
3.11. Santidade
3.12. Justiça
3.13. Ira
3.14. Vontade Soberana
3.15. Poder Soberano
4. Bibliografia


1. IMPORTÂNCIA DO TEMA
Por que é importante estudar o Ser de Deus e seus atributos?

Procurar entender quem é Deus é o primeiro passo para o homem compreender o que Ele requer, ou seja, o que deve ser feito e o que deve ser evitado, bem como qual a forma correta de adorá-lo. Uma noção errada a respeito do Ser de Deus levará o homem a se relacionar com Ele de forma equivocada, tanto em relação aos deveres como em relação aos benefícios decorrentes desse relacionamento.

Outro grande equívoco é tentar entender o Ser e as ações de Deus com base na justiça, integridade e sabedoria humanas, pois tais características estão profundamente manchadas pelo pecado. O homem pecador não pode utilizar suas faculdades mentais ou seu caráter como parâmetros para avaliar as ações divinas; isso demonstraria falta de sabedoria e arrogância.

Por fim, o correto conhecimento de Deus levará o homem a obter o correto conhecimento de si mesmo.

“(...) Por outro lado, é notório que o homem jamais chega ao conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da visão dele desça a examinar-se a si próprio. Ora, sendo-nos o orgulho a todos ingênito, sempre a nós mesmos nos parecemos justos, e íntegros, e sábios, e santos, a menos que, em virtude de provas evidentes, sejamos convencidos de nossa injustiça, indignidade, insipiência e depravação. Não somos, porém, assim convencidos, se atentamos apenas para nós mesmos e não também para o Senhor, que é o único parâmetro pelo qual se deve aferir este juízo. (...)”[1]


2. O SER DE DEUS
A definição do Ser de Deus constante na Confissão de Fé de Westminster demonstra que Deus é um Ser único e incomparável.

“Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável, e para a sua própria glória. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro galardoador dos que o buscam, e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.”[2]

Essa definição refuta a ideia do politeísmo, pois não existe nenhum outro deus que possa se comparar ao Deus das Escrituras. Ele é o único Senhor, Criador e Sustentador de todas as coisas.

Antes de estudarmos especificamente os atributos divinos, é importante compreendermos dois conceitos inerentes ao Ser de Deus, a imanência e a transcendência.

2.1. IMANÊNCIA
Significa que Deus, apesar de ser o Criador de todas as coisas, se interessa por sua criação e se relaciona com ela. A imanência derruba a ideia da filosofia deísta, que Deus é apenas uma força infinita que criou o universo e o deixou por conta própria. O Deus das Escrituras se relaciona intensamente com sua criação, se preocupa com ela, interfere nas suas vidas e cuida delas em todos os momentos.

A grande prova da imanência divina é a encarnação do Senhor e Salvador Jesus Cristo, que se fez homem e habitou neste mundo corporalmente com o objetivo de morrer e ressuscitar em favor dos seus filhos.
                Gn 9.1, Ex 3.7-8, Sl 104.27-30

2.2. TRANSCENDÊNCIA
Significa que Deus é separado de sua criação e totalmente independente dela. Deus é muito superior às suas criaturas, é perfeito em todos os seus atributos. A transcendência afasta definitivamente a ideia do panteísmo, que Deus está na criação e é a soma de tudo que existe. Deus não é a soma das coisas criadas, Deus é muito superior, muito mais excelente e grandioso. Deus é o Todo-Poderoso que governa o universo conforme sua Soberana Vontade.

A transcendência deve nos levar a uma profunda noção de adoração, reverência e gratidão, pois apesar de Deus ser tão grande Ele se importa conosco.


3. ATRIBUTOS DE DEUS

“(...) Os atributos de Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem predicados do Ser divino na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em suas obras da criação, providência e redenção. (...)”[3]

- São qualidades/características essenciais de Deus;
- São os meios dados por Deus para que possamos conhecê-lo;
- Revelam o caráter, a mente de Deus;
- Permitem conhecer Deus, mas não compreendê-lo;
- Permitem um conhecimento parcial de Deus, de acordo com as limitações da mente humana.


“(...) A teologia reformada afirma que Deus pode ser conhecido, mas que é impossível ao homem ter dele um conhecimento exaustivo. O conhecimento que o homem tem de Deus é limitado ao que ele revela de si mesmo na natureza e nas Escrituras Sagradas.
(...)
Embora não possamos ter um conhecimento exaustivo de Deus, cremos que podemos ter um conhecimento adequado dele, isto é, um conhecimento que corresponde à realidade. Esse conhecimento é adequado porque as informações sobre ele partem dele mesmo. (...)”[4]

3.1. ESPIRITUALIDADE
Deus é espírito, não possui corpo e matéria. Ele é incorpóreo, invisível e imortal.

Esse atributo é essencial, pois se Deus não fosse espírito ele também não seria o Criador, não seria infinito, independente, imutável e onipresente.

- Criador: somente um Ser imaterial (espiritual) pode ter criado a matéria. Se Deus fosse um ser material, significaria que Sua existência dependeria da existência anterior da matéria, ou seja, Deus não seria o Criador de tudo que existe.
- Infinito: toda matéria ocupa um espaço determinado, um limite. Se não fosse espírito Ele também seria limitado pela matéria, logo, não seria infinito.
- Independente: toda matéria depende da união de várias partes. Se Deus não fosse espírito, seria um ser material, dependente da união de várias partes, logo, não seria independente.
- Imutável: toda matéria está em constante transformação. Tudo que existe tem começo, meio e fim, e passar por diversas modificações em cada uma dessas etapas. Se Deus não fosse espírito, também estaria sujeito a transformações, logo, não seria imutável.
                2Cr 2.6; Is 44.6; Jo 4.24; 1Tm 1.17, 6.16

3.2. INDEPENDÊNCIA
Deus existe por si mesmo e sempre foi da maneira como é, não necessitando de nada e de ninguém além de si próprio.

Deus não criou tudo que existe por uma “carência” em seu Ser e não necessita da adoração da criação para existir. Ele não necessita relacionar-se com a criação, não necessita de conselhos para governar o universo e não depende de nada para executar perfeitamente Sua vontade. Deus é perfeitamente suficiente em Si mesmo.
                Ex 3.13-15; Jo 5.26; At 17.25

3.3. IMUTABILIDADE
Deus é perfeitamente completo e, portanto, não é passível de mudança. Seu ser é imutável porque ele não tem progresso nem regresso. Deus não pode ser aumentado nem diminuído em suas capacidades essenciais.

Alguns textos nas Escrituras mostram mudanças de atitudes de Deus em relação à criação. Isso não significa que Deus deixou de ser imutável, mas apenas que Ele agiu e age conforme sua natureza e seus propósitos: em um momento Deus agiu e age com amor, em outros com ira, misericórdia, graça etc. Essas mudanças de atitude não correspondem a mudanças nos planos eternos de Deus, mas apenas refletem bênçãos ou maldições condicionadas pelo próprio Deus à obediência do homem. O texto mais debatido a este respeito é a cura de Ezequias (Is 38.1-8), cuja explicação se enquadra no exposto acima.

Outros textos relatam “arrependimento” divino, o que alguns estudiosos defendem como prova da mutabilidade de Deus. Contudo, esta não é a interpretação mais adequada. Na verdade, estes textos apenas atribuem a Deus um sentimento humano, como forma de facilitar a compreensão dos cristãos, e por não haver outro vocabulário mais adequado para expressar a atitude divina. Essa mudança de atitude de Deus não significa mudança de sua vontade e dos seus planos. Gn 6.5-6; Jn 3.9-10.

A imutabilidade de Deus é motivo de grande alegria e conforto para os cristãos, pois é a maior prova de que Ele cumprirá plenamente Sua Palavra e Seus propósitos.
                Sl 102.26-27, Tg 1.17

3.4. INFINIDADE
Deus é infinito, o que significa que Ele não pode ser medido, pois Ele é eterno, imenso e onipresente.

Deus é eterno porque está acima, fora do tempo. Foi o próprio Deus quem criou o tempo, logo, para Ele não existe passado, presente ou futuro, pois essas são classificações temporais.
                Sl 90.1; Tg 4.14

Deus é imenso porque ele está acima do espaço, pois Ele mesmo criou o espaço. Já a onipresença significa que Deus preenche cada parte do espaço com seu Ser completo.
Sl 139.7-10; At 7.48-50.

“(...) Enquanto a imensidão dá ênfase à transcendência de Deus, a onipresença dá ênfase à sua imanência. Deus está imanente em todas as suas criaturas, em sua criação total, mas de maneira alguma encerrado por ela. (...)”[5]

3.5. CONHECIMENTO
Deus, de uma maneira singular, conhece-se a si mesmo e conhece todas as coisas possíveis e reais em um ato simplíssimo e eterno. O conhecimento de Deus é:

- abrangente: nada escapa ao seu conhecimento;
- exaustivo: Deus sabe tudo o que pode ser conhecido;
- arquetípico: o conhecimento divino não é obtido de fora, mas vem Dele mesmo;
- intuitivo: nenhum conhecimento divino é adquirido, mas sim inato;
- simultâneo: Deus conhece todas as coisas de forma total e completa, não em partes;
- livre: o conhecimento de Deus não depende de nenhuma condição.
                Jó 31.4; Sl 139.1-6; Os 7.2; Hb 4.13

3.6. SABEDORIA
Deus aplica seu conhecimento para a obtenção de seus fins conforme a maneira que mais o glorifique. A expressão máxima da sabedoria divina é Cristo (Ef 1.7-9; Cl 2.1-3) e é proclamada através da Igreja (Ef 3.8-13)
                Jó 11.5-9; Pv 3.5-7

3.7. FIDELIDADE
Deus é perfeitamente digno de nossa confiança em sua revelação e vê todas as coisas como são na realidade. Deus é fiel em seus pactos, promessas e ameaças.
                Dt 7.9; Lm 3.22-23; Hb 3.11

3.8. BONDADE E AMOR
Deus é o melhor Ser existente, a bondade faz parte da sua natureza e pode ser comprovada pelo relacionamento do Criador com a criação em geral e principalmente com o homem.
                Gn 1.31; Sl 52.1; Mc 10.18; At 10.38

O amor de Deus é mais uma maneira de demonstrar sua bondade para com os homens. Podemos destacar algumas características desse amor:
- Eleição: Deus escolheu amar seus filhos e salvá-los das consequências do pecado;
- Redenção: Cristo se encarnou por amor para redimir seus filhos;
- Sacrificial: Deus nos amou a ponto de sacrificar Seu Filho por nós;
- Eterno: o amor de Deus é constante e imenso.
Jr 31.3; Rm 5.5-8; Gl 2.20; 1Jo 4.8-10

3.9. MISERICÓRDIA
Este atributo significa que Deus não trata o homem como ele merece, ou seja, o homem pecou e merece a morte, mas Deus, por misericórdia, tarda em irar-se. Em relação aos eleitos, essa misericórdia é expressa pela não aplicação da penalidade no homem, mas sim em Cristo pela Sua obra redentora. Em relação aos não-eleitos, a misericórdia é expressa de forma temporária, no sentido de que Deus suporta os pecados conforme seus planos sábios.
                Sl 73.1-17, 145.8-9; Is 54.8; Lm 3.22

3.10. GRAÇA
Significa que Deus dá ao homem algo que ele não merece. É o favor eterno e totalmente gratuito de Deus, manifestado na concessão de bênçãos espirituais e eternas às criaturas culpadas e indignas.

Obras da graça divina: eleição, regeneração, justificação, fé, santificação, glorificação.
Rm 3.24, 11.5-6; Gl 1.6, 15-16; Ef 2.6-7; At 18.27

3.11. SANTIDADE
A palavra “santo” significa “separado, retirado do uso comum”. Deus é santo, ou seja, é totalmente distinto das suas criaturas e é exaltado sobre elas pela sua infinita majestade. Ele também é absolutamente separado do mal e de qualquer contaminação moral.

A santidade de Deus é expressa em suas obras, que foram consideradas “boas” pelo próprio Criador; nas suas leis, pois sua Palavra é santa e puríssima; na redenção, onde Deus derrama sua ira sobre Cristo em nosso lugar, demonstrando todo o desprazer divino em relação ao pecado.

Deus é santo e exige santidade de suas criaturas. Dt 32.4; 1Sm 2.2; Sl 19.8; Is 6:1-10; Rm 7.12

3.12. JUSTIÇA
É santidade de Deus no tratamento do obediente e do desobediente, ambos sujeitos ao Seu domínio. Deus dá a cada um o que é devido conforme Sua Palavra.
Dt 4.8; Dt 7.12-14; Sl 119.137; Dn 9.14; Ap 16.7

3.13. IRA
Está dentro do atributo da justiça. É a santidade de Deus posta em ação contra o pecado. Não é uma vingança maligna, pecaminosa como a nossa, mas é a vindicação do seu domínio como Governador do universo.
                Gn 18:25, Rm 1:18, Hb 1:13, Ap 6:16-17

“(...) A ira é a expressão da justiça divina por causa da maldade dos homens. Se a justiça não for feita, Deus não se amará a si mesmo e negará a si mesmo. (...)”[6]

Diferentemente da ira, o ódio divino significa a ausência de amor e não é uma resposta a alguma atitude do homem, mas diz respeito à vontade soberana de Deus. Como exemplo, podemos citar o ódio divino por Esaú, manifestado antes do seu nascimento e confirmado pelo fato de Esaú não ter sido eleito por Deus para a salvação, ao contrário do seu irmão Jacó (Rm 9.11-13).

3.14. VONTADE SOBERANA
- Essencial: Deus possui uma única vontade;
- Eterna: Tudo que Deus prescreve foi pensado na eternidade (At 15.18);
- Poderosa: Não pode ser resistida, sempre prevalece;
- Imutável: Deus é imutável, bem como sua vontade (Sl 119.89, Hb 6.17)
- Eficaz: Sempre realiza seu propósito (Is 14.24,27)
- Nascida somente nele: Não é influenciada por fatores externos ao Ser de Deus;
- Livre e soberana: Tudo existe pela vontade de Deus (Dn 4.31-35, Mt 10.29-30, Ap 4.11)

3.15. PODER SOBERANO

“(...) O poder de Deus é a sua capacidade de fazer acontecer aquilo que deseja e determina que aconteça, seja na área física, moral ou espiritual. É a capacidade de ação onipotente que esteja de acordo com a sua vontade. Contudo, poder não significa um ato, mas a capacidade de transformar a ideia em sua mente em um ato. O poder de Deus executa o conhecimento e a sabedoria de Deus.
A autoridade de Deus é o seu direito de agir poderosamente em todas as coisas, como lhe apraz. A autoridade de Deus é baseada naquilo que ele é, isto é, nos seus atributos essenciais, entre os quais está o seu poder soberano. (...)”[7]

Distinções do poder de Deus:
- Poder absoluto: Deus pode fazer o que não vai fazer, mas que é possível de ser feito. Exercido na criação. Mt 3.9, 26.53-54
- Poder ordenado: Deus faz o que tem decretado fazer, o que ordena ou se dispõe fazer.
Is 46.10

Características do poder de Deus: essencial e inerente a Deus, infinito, eterno.
                Ef 3.20


4. BIBLIOGRAFIA

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

CALVINO, João. As Institutas; tradução de Waldir Carvalho Luz. 2ª edição. São Paulo: Cultura Cristã. 2006.

CAMPOS, Heber Carlos de. O Ser de Deus e Seus Atributos. 2ª Edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER.



[1] CALVINO, J. As Institutas; tradução de Waldir Carvalho Luz. 2ª edição. São Paulo: Cultura Cristã. 2006. p. 42
[2] CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, Cap. II.I
[3] BERKHOF, L. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª edição. Revisada. São Paulo: Cultura Cristã. 2012. p. 51
[4] CAMPOS, H.C de. O ser de Deus e seus atributos. São Paulo: Cultura Cristã. 2002. 2ª edição. p. 165
[5] BERKHOF, L. Idem., p. 71.
[6] CAMPOS, H.C. de. Idem., p. 356.
[7] CAMPOS, H.C. de. Idem., p. 400.

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