sábado, 29 de agosto de 2015

Jesus Cristo no Antigo Testamento - aula 04 - A sepultura de Sara (Gn 23.1-20)


- A morte de Sara
- Abraão: sua condição na terra e seu pedido
- A resposta dos filhos de Hete:
- Reconhecimento da bênção de Deus sobre Abraão
- Oferta do empréstimo (uso) de sepulturas
- A insistência de Abraão e a negociação com Efrom
- Conclusão: A fidelidade de Deus à Sua Palavra e o início do cumprimento da promessa
- Referências bibliográficas


A MORTE DE SARA

Tendo Sara vivido cento e vinte e sete anos, morreu em Quiriate-Arba, que é Hebrom, na terra de Canaã; veio Abraão lamentar Sara e chorar por ela. Gn 23.1-2


A narrativa começa com a descrição da morte de Sara. Os dois primeiros versículos relatam o tempo de vida de Sara, o local de sua morte e o lamento de Abraão.

A inclusão do tempo de vida de Sara demonstra sua importância para o povo de Israel, pois ela foi a única mulher na Bíblia que teve esse relato registrado.

O local de sua morte também é relevante, pois ao contrário dos parentes de Abraão, que permaneceram em Harã, ele e sua família foram morar na terra de Canaã.

Abraão lamentou grandemente a morte da sua esposa, e esse ritual incluía, provavelmente, rasgar as próprias vestes, desgrenhar os cabelos, cortar a barba, jogar terra sobre a cabeça e jejuar.


ABRAÃO: SUA CONDIÇÃO NA TERRA E SEU PEDIDO

Levantou-se, depois, Abraão da presença de sua morta e falou aos filhos de Hete: Sou estrangeiro e morador entre vós; dai-me a posse de sepultura convosco, para que eu sepulte a minha morta. Gn 23.3-4


Passado o período de lamentação pela morte de Sara, Abraão refletiu sobre um local adequado para sepultá-la. Mas ele sabia que era estrangeiro na terra de Canaã, e, por isso, não era possuidor de terras.

O que Abraão faria? As opções mais lógicas seriam:

1- Retornar à terra de Harã; o problema é que provavelmente a viagem seria muito longa (cerca de 650 km), demoraria vários dias, e não haveria tempo hábil para chegar até lá e sepultar o corpo.
2- Sepultar sua amada esposa em terra estrangeira (Canaã); também não era uma boa opção, pois Sara seria sepultada em uma cova dos cananeus, onde brevemente seria esquecida.

Abraão não se agradou dessas opções e teve outra ideia: adquirir na terra de Canaã uma “posse de sepultura”, ou seja, um lugar que seria seu perpetuamente, onde poderia sepultar sua esposa e seus descendentes.


A RESPOSTA DOS FILHOS DE HETE

Responderam os filhos de Hete a Abraão, dizendo: Ouve-nos, senhor: tu és príncipe de Deus entre nós; sepulta numa das nossas melhores sepulturas a tua morta; nenhum de nós te vedará a sua sepultura, para sepultares a tua morta. Gn 23.5-6


A resposta dos filhos de Hete, que eram os donos da terra de Canaã, pode ser dividida em duas partes:

1- Eles reconheciam que a bênção de Deus estava sobre Abraão, que, apesar de estrangeiro e peregrino, era possuidor de grande fortuna e bens. Apesar de não pertencer àquela terra, Abraão era grandemente respeitado pelas pessoas.

2- Apesar de parecerem extremamente gentis e prestativos, os filhos de Hete ofereceram apenas o uso das sepulturas, mas não a posse perpétua, como desejava Abraão.

O que parece uma “pequena” diferença é, na verdade, um contraste grandioso entre o pretendido por Abraão e o oferecido pelos filhos de Hete. A oferta do uso das sepulturas permitiria a Abraão sepultar Sara com todas as honras e rituais da época, porém, passado o tempo devido, os ossos seriam retirados ou varridos para o canto da cova, para possibilitar o sepultamento de outras pessoas. Sara seria sepultada em uma cova comum, que logo seria utilizada para acomodar outras pessoas da terra de Canaã.

Por outro lado, Abraão pretendia obter a posse perpétua, que lhe permitiria sepultar Sara e seus descendentes em um local definitivo.

A oferta dos filhos de Hete não agradou Abraão, que não desistiu do seu objetivo.


A INSISTÊNCIA DE ABRAÃO E A NEGOCIAÇÃO COM EFROM

Então, se levantou Abraão e se inclinou diante do povo da terra, diante dos filhos de Hete. E lhes falou, dizendo: Se é do vosso agrado que eu sepulte a minha morta, ouvi-me e intercedei por mim junto a Efrom, filho de Zoar, para que ele me dê a caverna de Macpela, que tem no extremo do seu campo; que ma dê pelo devido preço em posse de sepultura entre vós. Gn 23.7-9


Abraão não se satisfez com a oferta de uso feita pelos filhos de Hete. Ele se dirigiu novamente a eles e insistiu em poder adquirir um local por possessão perpétua. Ele se adiantou em sua fala e indicou o local pretendido, parte de uma propriedade de Efrom.

Abraão estava convicto do que queria, e, para que não restassem dúvidas de sua intenção de adquirir um terreno por posse perpétua, ele afirmou que pagaria o “preço devido”.

Ora, Efrom, o heteu, sentando-se no meio dos filhos de Hete, respondeu a Abraão, ouvindo-o os filhos de Hete, a saber, todos os que entravam pela porta da sua cidade: De modo nenhum, meu senhor; ouve-me: dou-te o campo e também a caverna que nele está; na presença dos filhos do meu povo te dou; sepulta a tua morta. Gn 23.10-11


Efrom respondeu prontamente e com generosidade ao pedido de Abraão. Ele se comprometeu a dar-lhe a caverna e todo o campo. Abraão pretendia pagar por uma pequena parte da terra de Efrom, mas Efrom se dispôs a dar (gratuitamente) toda aquela terra a Abraão.

23.10 Efrom...respondeu. A resposta direta de Efrom indicava que ele tinha dado a caverna e o campo de livre e espontânea vontade, sem nenhuma pressão da sociedade, tornado o pedido de propriedade feito por Abraão ainda mais incontestável. ouvindo-o. Os detalhes asseguravam que a transação era correta e legal, devidamente testemunhada. porta. As transações legais ocorriam nos portões da cidade (Rt 4.1).
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. p.47, comentário sobre Gn 23.10


Então, se inclinou Abraão diante do povo da terra; e falou a Efrom, na presença do povo da terra, dizendo: Mas, se concordas, ouve-me, peço-te: darei o preço do campo, toma-o de mim, e sepultarei ali a minha morta. Respondeu-lhe Efrom: Meu senhor, ouve-me: um terreno que vale quatrocentos siclos de prata, que é isso entre mim e ti? Sepulta ali a tua morta. Gn 23.12-15


Abraão concordou com a oferta de Efrom sobre adquirir todo o campo e a caverna, mas insistiu em pagar por eles. Em resposta, Efrom utilizou uma forma sutil para indicar o preço pretendido pela propriedade.

Um siclo pesava cerca de 11,4 gramas de prata, logo, 400 siclos correspondiam a 4,5 kg de prata.

O preço sugerido (400 ciclos de prata) parece muito alto se comparado a outros textos bíblicos que apresentam narrativas de compras de terrenos: Jeremias comprou um terreno por dezessete siclos (Jr 32.9) e Onri comprou o monte de Samaria por dois talentos de prata (6.000 siclos) (1 Rs 16.24).

“(...) Quatrocentos siclos por um campo pequeno e uma caverna? Quatrocentos siclos “seria mais do que 4,5 quilos de prata. Davi pagou somente um oitavo dessa quantia – 50 siclos de prata – ao comprar de Araúna o terreno do templo (2Sm 24.24)”. Abraão sabe com certeza que Efrom está tirando vantagem da sua necessidade desesperada de uma sepultura. Será que ele a comprará a esse preço exorbitante? Seguirá o costume e regateará o preço até chegar a uma fração do valor pedido? Mas isso dará a Efrom a chance de desfazer o trato. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 256.


Efrom estava se aproveitando da situação. O que faria Abraão?

Tendo Abraão ouvido isso a Efrom, pesou-lhe a prata, de que este lhe falara diante dos filhos de Hete, quatrocentos siclos de prata, moeda corrente entre os mercadores. Gn 23.16


23.16 Abraão... pesou-lhe. Abraão não tentou negociar; ele queria uma venda incontestável.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. p.48, comentário sobre Gn 23.16


Assim, o campo de Efrom, que estava em Macpela, fronteiro a Manre, o campo, a caverna, e todo o arvoredo que nele havia, e todo o limite ao redor se confirmaram por posse a Abraão, na presença dos filhos de Hete, de todos os que entravam pela porte de sua cidade. Depois, sepultou Abraão a Sara, sua mulher, na caverna do campo de Macpela, fronteiro a Manre, que é Hebrom, na terra de Canaã. E assim, pelos filhos de Hete, se confirmou a Abraão o direito do campo e da caverna que nele estava, em posse de sepultura. Gn 23.17-20


A negociação chegou ao fim com o pagamento integral do valor proposto por Efrom e aceito por Abraão que, a partir daquele momento, era dono do terreno e da caverna, em possessão perpétua.


CONCLUSÃO:
A FIDELIDADE DE DEUS À SUA PALAVRA E O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PROMESSA

Mas, por que esta narrativa é importante para o povo de Israel? Por que o autor se preocupou em descrever com mais detalhes a negociação de um pequeno terreno (17 versículos) do que a própria morte de Sara (3 versículos)?

Os capítulos anteriores de Gênesis relatam que Deus prometeu dar à Abraão e a seus descendentes a terra de Canaã.

Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua descendência esta terra. Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe apareceu. Gn 12.7

Levanta-te, percorre esta terra no seu comprimento e na sua largura; porque eu ta darei. Gn 13.17

Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR, que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança esta terra. Gn 15.7


Esse texto é extremamente importante porque nele Deus começa a cumprir a promessa feita a Abraão vários anos antes, em fidelidade à Sua Palavra.

Abraão vivia há algum tempo na terra de Canaã, mas não era dono de propriedades. Com a morte de Sara, ele se preocupou em obter um lugar definitivo para o sepultamento de sua amada esposa e de seus descendentes. A posse da terra passou a ser uma questão importante para Abraão.

Na narrativa de Gênesis 23.1-20 é possível perceber a mão de Deus conduzindo a situação de acordo com Seu propósito. No início da conversa com os filhos de Hete, Abraão tinha ciência da impossibilidade de obter terras em Canaã, por ser “estrangeiro e peregrino”. Mas isso não o impediu de tentar. Ele se aproximou dos donos da terra e fez sua petição: a posse de sepultura, a posse definitiva de uma terra.

A resposta dos filhos de Hete já demonstrou a ação de Deus na vida de Abraão. Apesar de ser estrangeiro, ele era muito bem visto pelo povo da terra. Ele era um homem honrado no meio dos estranhos.

Essa posição de destaque fez com que os filhos de Hete oferecessem as melhores sepulturas por empréstimo. A oferta parecia generosa, mas Abraão confiou em Deus e insistiu no seu pedido: posse definitiva. Ele foi além: indicou o lugar desejado.

Neste ponto da narrativa é possível perceber a ação de Deus novamente. Efrom prontamente ofereceu a doação de todo o terreno e da caverna a Abraão. Deus move os corações e as mentes de todos, até mesmo dos ímpios, para o cumprimento dos seus propósitos.

Abraão insistiu em pagar pelo terreno. Efrom sutilmente apresentou um preço absurdo. Mas o que parecia um grande empecilho para o êxito do negócio, na verdade, era somente mais um passo positivo para a conquista de Abraão. O preço não era problema para ele, pois Deus o havia abençoado com muitos bens e riquezas. Abraão podia pagar pelo terreno.

Abraão não pensou duas vezes e pagou o preço sugerido. O negócio estava fechado, ele era o dono da propriedade. O que se iniciou como uma total impossibilidade foi concluído com a obtenção do pretendido.

“(...) Pela primeira vez na vida, Abraão é o dono legal de uma propriedade na Terra Prometida. Ele agora pode sepultar esperançosamente a sua esposa Sara – na esperança de que algum dia toda essa terra pertencerá à descendência de Abraão e Sara. (...) Ele a pôde sepultar na sua propriedade, na terra de Canaã. Sara, a mãe de Israel, pôde ser sepultada na própria herança; podendo descansar em paz, aguardando o cumprimento das promessas de Deus. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 256-257.


Deus iniciou ali, naquele momento histórico, o cumprimento da promessa de dar a Abraão a terra prometida. Com a compra do terreno, Abraão passou a ter a primeira porção da terra de Canaã. Deus moveu as pessoas e as situações para dar a Abraão a primeira porção de terra em Canaã.

“(...) Mais tarde, Abraão será sepultado na sua possessão na Terra Prometida (25.9,10), e bem depois dele, Isaque, Rebeca, Lia e Jacó (49.29-32). Durante séculos esse sepulcrário dos antepassados em Canaã, tanto de homens quanto de mulheres, foi para Israel um testemunho silencioso de que o Senhor havia começado a cumprir a sua promessa de dar uma pátria ao seu povo. Até mesmo José, cuja esposa era egípcia, fez os israelitas no Egito jurarem: “Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar os meus ossos daqui” (Gn 50.25). José quer ser sepultado na Terra Prometida. Pode-se confiar plenamente no Senhor; ele cumpre a promessa de dar uma pátria a Israel. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 257.


Deus é fiel à Sua Palavra. Ele cumpre Suas promessas.

Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras que o SENHOR falara à casa de Israel; tudo se cumpriu. Js 21.44


1Extraído e adaptado de: GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 244-259.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. 1920p.

GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 824 p.


sábado, 22 de agosto de 2015

Jesus Cristo no Antigo Testamento - aula 03 - Caim e Abel (Gn 4.1-26)


- Características de Caim e de Abel
- As ofertas de ambos e as respostas do Senhor
- A reação de Caim e as advertências do Senhor
- O desprezo ao conselho divino e o homicídio premeditado
- A mentira de Caim e os castigos divinos (maldições mitigadas)
- A descendência de Caim: graça comum e desenvolvimento cultural
- Lameque: o ápice do distanciamento do homem de Deus
- O nascimento de Sete e a fidelidade de Deus à Sua palavra
- Conclusão
- Referências bibliográficas


CARACTERÍSTICAS DE CAIM E ABEL

Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu à luz a Caim; então, disse: Adquiri um varão com o auxílio do SENHOR. Gn 4.1


Após a Queda e a expulsão do Paraíso, a narrativa bíblica enfatiza o nascimento do primeiro filho de Adão e Eva.

Eva declara que obteve um varão (e não um menino), possivelmente uma alusão ao fato de que a mulher (varoa) foi formada do homem, e agora o homem (varão) nasce da mulher, e ambos dependem de Deus (I Co 11.11-12).

Este foi um momento importante, pois para eles o nascimento de um filho era o cumprimento da promessa de Deus feita em Gn 3.15.

Seria Caim o descendente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente?

Caim tinha tudo para ser esse descendente:

- Sua mãe declarou que ele nasceu “com auxílio do Senhor”;
- Ele foi ensinado desde o nascimento a adorar ao Senhor;
- Ele foi o primogênito e possui todos os privilégios;
- Seguiu os passos do pai e foi lavrador.


Depois, deu à luz a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador. Gn 4.2


O nome “Abel” significa vapor, vaidade. E a narrativa bíblica mostra que ele viveu dessa forma, vulnerável, passiva. Ele não falou, não se defendeu.

Qual dos dois parecer o mais adequado para ser o descendente da mulher, o prometido pelo Senhor? O primogênito Caim ou o vulnerável Abel?


AS OFERTAS DE AMBOS E AS RESPOSTAS DO SENHOR

Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta não se agradou. Gn 4.3-5a


Dois pontos merecem atenção: a pessoa do ofertante e a oferta.

O texto diz que o Senhor se agradou de Abel e da sua oferta. Deus olhou primeiramente para o ofertante, Abel, e viu nele sinceridade de coração, desejo profundo de adorá-lo através daquela oferta. Esse foi o primeiro “acerto” de Abel.

Além disso, Abel ofereceu das “primícias do seu rebanho”, ou seja, ofereceu o melhor que tinha como adoração ao Criador de todas as coisas. Esse foi o segundo “acerto” de Abel.

Por outro lado, Caim não acertou em nenhum desses pontos. Ele cumpriu o “ritual religioso” de adoração ao apresentar sua oferta, mas seu coração não estava disposto a adorar a Deus, não havia demonstração de amor e gratidão ao Soberano Criador.

Além disso, Caim ofereceu oferta “do fruto da terra”. A palavra “primícias” está ausente, a oferta não é o melhor disponível.

Esses dois fatores foram essenciais para Deus se agradar da oferta de Abel e não se agradar da oferta de Caim.


A REAÇÃO DE CAIM E AS ADVERTÊNCIAS DO SENHOR

Irou-se sobremaneira, Caim, e descaiu-lhe o semblante. Então, lhe disse o SENHOR: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo. Gn 4.5-7


Como consequência da rejeição de Deus, Caim ficou irado a ponto disso transparecer em sua aparência. Era uma ira profunda.

O Senhor foi ao encontro de Caim e advertiu-o quanto à necessidade de se afastar da ira e ter atitudes corretas, a fim de ser aceito por Deus. Caso Caim procedesse mal, “eis que o pecado jaz à porta”. Essa expressão significava “estar de emboscada”. O pecado, o mal, a serpente enganadora estava novamente de emboscada, pronta para dar o bote e ferir Caim, assim como fez com seus pais.


O DESPREZO AO CONSELHO DIVINO E O HOMICÍDIO PREMEDITADO

Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou. Gn 4.8


Caim desprezou as advertências dadas pelo Senhor, e continuou alimentando ira contra Deus e inveja do seu irmão. Esses sentimentos pecaminosos o levaram à prática do pecado, ao assassinato do seu próprio irmão.

Recusar os conselhos divinos e nutrir sentimentos maliciosos é a receita para a prática do pecado, conforme consta na epístola escrita por Tiago, irmão de Jesus:

Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Tg 1.13-15


O primeiro assassinato narrado nas Escrituras teve duas características que o tornaram ainda mais terrível: foi premeditado e foi contra o único irmão.

“Vamos ao campo”. Caim há muito nutria inveja de seu irmão. Quando o chamou para ir ao campo, certamente já tinha planejado e repassado seu plano mentalmente diversas vezes. Pensou no dia, no horário e no local para melhor execução da sua intenção pecaminosa.

Para o povo de Israel, todo crime cometido no campo era premeditado, pois impedia que a vítima fosse socorrida.

Porém, se algum homem no campo achar moça desposada, e a forçar, e se deitar com ela, então, morrerá só o homem que se deitou com ela; à moça não farás nada; ela não tem culpa de morte, porque, como o homem que se levanta contra o seu próximo e lhe tira a vida, assim também é este caso. Pois a achou no campo; a moça desposada gritou, e não houve quem a livrasse. Dt 22.25-27


O segundo aspecto que torna esse assassinato mais horrível ainda é que ele foi cometido contra o único irmão de Caim.

Durante a narrativa de Gênesis 4, por sete vezes é dito que Abel é irmão de Caim. Sete vezes. E mesmo assim, Caim não teve piedade, ele planejou e assassinou seu único irmão com assombrosa frieza.

“(...) seu irmão. A palavra “irmão” aparece sete vezes nos vs. 2-11. e o matou. Os sentimentos ruins de Caim contra Deus transformaram-se em ódio e inveja irracional contra seu irmão. Ao abandonar Deus, ele renunciou à imagem de Deus. O rompimento dos laços familiares que começou no cap. 3 se intensificou com o fratricídio. Como seus pais no orgulho de seus pecados, Caim quis se apropriar da soberania divina, até mesmo sobre a vida.”
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. p.15, comentário sobre Gn 4.8


A MENTIRA DE CAIM E OS CASTIGOS DIVINOS (MALDIÇÕES MITIGADAS)

Disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu imão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra. Gn 4.9-12


Talvez Caim estivesse convencido de que ninguém saberia o que ocorreu. Seu coração estava tão afundado no pecado que ele se esqueceu do Criador Onipresente e Onisciente. Deus viu e sabia o que Caim tinha feito.

Deus questionou Caim: “Onde está seu irmão?” É uma pergunta retórica, talvez uma oportunidade para arrependimento.

“Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão?”

“(...) Sua pergunta era absurda. O hipócrita sarcástico já havia determinado o destino do seu irmão. Ao se fingir de inocente, ele repetia a tentativa de seu pai de se esconder.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. p.15, comentário sobre Gn 4.9


Caim se manteve distante de Deus e próximo do diabo, o pai da mentira (Jo 8.44). Não houve arrependimento, não houve pedido de perdão.

Ira contra Deus, inveja do irmão, planos maliciosos, assassinato premeditado do único irmão, mentira contra Deus. Esse foi Caim, aquele que nasceu com a esperança de ser o descendente da mulher, mas que se revelou ser o descendente da serpente.

Caim não era a semente da mulher. Caim era a semente da serpente.

Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matará. O SENHOR, porém, lhe disse: Assim, qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes. E pôs o SENHOR um sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem quer que o encontrasse. Gn 4.13-15


O Soberano Juiz amaldiçoou Caim. Ele passou a ser maldito sobre a terra, a terra não daria sua força, ele seria fugitivo e errante. Caim seria exilado da civilização e da presença de Deus.

Mais uma vez Caim não demonstrou arrependimento. Ao invés disso, ele respondeu demonstrando apenas compaixão de si mesmo, se colocando como um “pobre infeliz” diante da severa punição dada por Deus.

Nessa passagem é importante destacar que as maldições dadas por Deus a Caim não foram absolutas, mas sim mitigadas, como nas maldições dadas em Gênesis 3.

Não se sabe qual foi o sinal colocado por Deus em Caim, contudo, isso também não importa tanto. O que importa é perceber como Deus foi bondoso com Caim, mesmo com todas as circunstâncias desfavoráveis a ele.

Apesar de Caim não merecer, Deus demonstrou sua misericórdia ao poupar-lhe a vida, e graça ao permitir que ele constituísse família e tivesse descendência sobre a terra.


A DESCENDÊNCIA DE CAIM: GRAÇA COMUM E DESENVOLVIMENTO CULTURAL

Os versículos 17 a 22 de Gênesis 4 narram que os descendentes de Caim empreenderam grande desenvolvimento cultural, como consequência da graça comum de Deus que estava sobre eles.

“(...) Vemos novamente a bondade e a misericórdia de Deus nos desenvolvimentos culturais que permitem ao povo enfrentar e desfrutar algum prazer num ambiente hostil e debaixo da maldição de Deus.
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p 121.


Contudo, esse desenvolvimento cultural foi acompanhado pelo agravamento do pecado e consequente afastamento de Deus.


LAMEQUE: O ÁPICE DO DISTANCIAMENTO DO HOMEM DE DEUS

Lameque tomou para si duas esposas: o nome de uma era Ada, a outra se chamava Zilá. (...) E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi-me; vós mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou. Gn 4.19,23


Apesar desse desenvolvimento cultural, a narrativa bíblica mostra que o pecado está cada vez mais enraizado nas atitudes humanas. Lameque, o sétimo descendente de Adão, quebrou a ordem divina de casamento entre um homem e uma mulher, e casou-se com duas mulheres. Além disso, ele se vangloriou de ter matado dois homens por motivos banais, como ele mesmo disse: um porque o feriu e outro porque o pisou.

“4.19 duas esposas. A bigamia representa um abuso da instituição do casamento, que Deus pretendia que fosse monogâmico (2.24)”.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. p.15, comentário sobre Gn 4.19


Ao matar esses homens, Lameque ofendeu mais uma vez a lei de Deus, que determinava que a pena deveria ser proporcional ao crime cometido (Ex 21.23-25).

Ele completa sua fala às esposas com mais uma quebra da lei de Deus: ao invés da vingança de sete vezes prometida pelo próprio Deus a quem matasse Caim (vingança completa, perfeita), Lameque promete vingar setenta vezes sete quem atentasse contra sua vida (vingança “mais que perfeita”). Ele se coloca no lugar de Deus e promete ser mais vingativo que o próprio Criador.

As atitudes de Lameque descrevem-no como bígamo, assassino cruel, mais vingativo que o próprio Criador e extremamente orgulhoso dessas ações. Lameque representa o ápice do distanciamento do homem de Deus.

Em apenas sete gerações, o homem se afastou completamente do seu Criador, e passou a viver como se ele não existisse, sem importar com Sua Palavra e com Sua lei.
Seria esta a vitória da semente da serpente sobre a semente da mulher?

“(...) A história está quase no fim. O narrador descreveu sucintamente  o terrível desenvolvimento do pecado na história humana. Somente sete gerações depois de Adão, um número completo de gerações, e o pecado chegou à plena fruição: os seres humanos se gabam de poderem defender a si mesmos; não precisam de Deus; não precisam da sua lei; eles mesmos decidirão o que é bom e o que é mau (3.4); podem ser deuses para si mesmos. É esse o pecado de Adão e Eva, só que mais insolente. Com o seu desenvolvimento cultural, eles podem se virar sozinhos. Em apenas sete gerações, a humanidade se desintegrou de um mundo em que Deus era adorado e cultuado para um mundo em que os seres humanos pensam que podem viver sem Deus. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p 122


O NASCIMENTO DE SETE E A FIDELIDADE DE DEUS À SUA PALAVRA

O maravilhoso Senhor não permitiu que a narrativa bíblica terminasse dessa forma. Os versículos 25 e 26 apresentam a renovação da esperança do homem e a fidelidade de Deus à Sua palavra.

Tornou Adão a coabitar com sua mulher, e ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Sete; porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou. A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o nome de Enos; daí se começou a invocar o nome do SENHOR. Gn 4.25-26


Deus deu outro filho ao primeiro casal. E Eva reconheceu que Caim não era o filho da promessa, mas sim Abel, que foi assassinado. Agora, com o nascimento de Sete, sua esperança estava renovada. Este era o filho prometido pelo Senhor, que daria prosseguimento à descendência da mulher.

Pela graça de Deus, a descendência da serpente não havia triunfado.

“(...) Na batalha entre a semente da mulher e a semente da serpente, Deus é fiel em continuar a linhagem da semente da mulher. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p 123


A narrativa termina com o filho de Sete, chamado Enos (fraqueza), a partir do qual passou-se a invocar o nome do Senhor.

A semente da serpente, a descendência de Caim, obteve grandioso desenvolvimento cultural, eram homens fortes e violentos, mas seu coração estava longe de Deus. Eles se autodeclaravam serem deuses. Já a semente da mulher era composta de pessoas vulneráveis como Abel e frágeis como Enos, mas que invocavam o nome do Senhor. Seu coração estava voltado para louvar o Criador, para depender Dele em todas as situações. Eles foram os “pioneiros da adoração”.

“(...) Deus é fiel para dar continuidade à linhagem da semente da mulher. Se Deus não fosse fiel, essa descendência teria desaparecido com a morte de Abel. Mas Deus levantou Sete e seus descendentes para continuar o seu povo sobre a terra. É claro que isso também quer dizer que a amarga batalha com a semente da serpente continua. (...)”
GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p 123


Assim como foi fiel com Adão e Eva, Deus permanece fiel no sustento da semente da mulher, o seu povo, durante toda a história da humanidade, conforme nos garantem as Escrituras Sagradas.

Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em nós do que aquele que está no mundo. I Jo 4.4


CONCLUSÃO

Com o nascimento de Caim, Eva pensou ser ele o descendente prometido. Conforme a ótica humana, realmente Caim tinha todos os requisitos para ser esse homem, contudo, a narrativa bíblica mostra que isso não ocorreu.

Deus se agradou de Abel e de sua oferta, pois seu coração estava cheio de amor e gratidão ao Senhor, e sua oferta era das primícias do rebanho. Caim errou como ofertante, pois seu ato era apenas externo, sem amor, e na oferta, que não era a melhor disponível.

Como resposta à rejeição de Deus, Caim ficou extremamente irado contra Deus e nutriu inveja do seu irmão. Ele desprezou as advertências do Senhor, planejou, assassinou seu irmão friamente, mentiu para Deus e não mostrou arrependimento em nenhum momento. Caim era a semente da serpente, e não da mulher.

Apesar de tudo isso, Deus mostrou-se misericordioso e gracioso para com Caim. As maldições foram duras, mas não absolutas. Caim foi mantido com vida, através de uma marca colocada pelo Senhor, e com possibilidade de desenvolver sua descendência.

A descendência de Caim cresceu sobre a face da terra e alcançou notável desenvolvimento cultural, entretanto, o pecado aumentou em quantidade e “qualidade”, tornando-se cada vez mais terrível.

Lameque foi o arquétipo do ápice do pecado e do distanciamento de Deus na vida de um homem. Ele vangloriou-se de ter quebrado a lei de Deus em vários momentos, e se autointitulou como mais perfeito que o próprio Criador.

Nesse momento histórico, tudo levava a crer que a semente da serpente havia triunfado sobre a semente da mulher. Mas, pela graça soberana de Deus, esse não era Seu plano para a humanidade.

Deus deu ao primeiro casal outro filho, Sete, o descendente da mulher que substituiria Abel. A partir do filho de Sete, Enos, passou-se a invocar o nome do Senhor.

A descendência da serpente desenvolveu-se culturalmente, mas estava longe de Deus. A descendência da mulher era composta de pessoas frágeis, que depositavam sua esperança no Criador. Eram os verdadeiros adoradores.

Essa batalha permanece até hoje, mas as Escrituras nos garantem a vitória por meio do Senhor Jesus Cristo, o Messias Prometido que esmagou a cabeça da serpente, que reina absoluto sobre o Universo e que voltará para resgatar a sua Igreja.


1Extraído e adaptado de: GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 109-124.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. 1920p.

GREIDANUS, S. Pregando Cristo a partir de Gênesis; tradução de Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 824 p.