segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A torre de Babel


Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente, deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Então, desceu o Senhor para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou por toda a superfície dela. Gênesis 11.1-9

1.            Um povo duplamente amaldiçoado

Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente, deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. Gn 11.1-2

O autor do texto bíblico inicia essa passagem nos informando que todos os seres humanos se comunicavam utilizando o mesmo idioma. Isso certamente tornava a comunicação entre eles extremamente fácil. Um dos grandes desafios atuais para todos que querem crescer profissionalmente é aprender outros idiomas, para aumentar a rede de contatos e as possibilidades de desenvolvimento. Naquele tempo, isso não era um problema.

O versículo 2 nos conta que uma parte do povo resolveu partir do Oriente, ou seja, de uma terra próxima ao Jardim do Éden, e foi habitar na terra de Sinar. Gn 10.10 nos mostra que esse povo era os filhos de Cam, segundo filho de Noé.

Os filhos de Cam: Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã. Os filhos de Cuxe: Sebá, Havilá, Sabtá, Raamá e Sabtecá; e os filhos de Raamá: Sabá e Dedã. Cuxe gerou a Ninrode, o qual começou a ser poderoso na terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. O princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar. Gn 10.6-10

O capítulo 9 de Gênesis nos mostra que Cam foi o filho amaldiçoado por Noé, pela sua reação ao ter visto a nudez do pai.

Logo, o texto objeto de nossa meditação nos apresenta os filhos de Cam (que havia sido amaldiçoado por Noé) indo habitar longe do Jardim do Éden (que era a terra da bênção especial do Deus Criador).

Portanto, esse povo carregava dupla maldição paterna: haviam sido amaldiçoados tanto pelo pai terreno quanto pelo pai celestial.

2.            O plano e a motivação do povo

E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Gn 11.3-4

Os versículos 3 e 4 nos contam que esse povo era inteligente, eles inventaram uma forma de construção de casas. Sem dúvida, podemos ver claramente a graça de Deus ao preservar a capacidade intelectual do ser humano mesmo após a desobediência e a queda.

O povo teve a ideia de edificar uma cidade. Essa cidade, chamada Babel, mais tarde se chamaria Babilônia.

Isso nos aponta para a atitude de Caim (Gn 4.17), que tentou superar as dificuldades enfrentadas construindo uma cidade.

E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho. Gn 4.17

Além da cidade, o povo resolveu construir uma torre “cujo topo chegasse até aos céus”.

O texto bíblico não deixa dúvidas quanto à motivação para a construção da torre: tornar célebre o nome daquele povo, para que não fossem espalhados por toda a terra.

“Tornar célebre o nosso nome”. Esse era o primeiro objetivo daquele povo, e revelava o intento dos seus corações: assim como Adão e Eva, aquele povo desejava ser importante, ter um nome marcante e inesquecível. No fundo, eles desejavam ser como Deus.

Que pecado terrível! Aquele povo queria ter um nome grande, glorioso. Eles ignoraram completamente o fato de que somente Deus tem o nome exaltado, somente ele deve ser adorado e lembrado de gerações em gerações.

Aquele cujo braço glorioso ele fez andar à mão direita de Moisés? Que fendeu as águas diante deles, criando para si um nome eterno? Is 63.12

A segunda motivação do povo para a construção da alta torre era “não ser espalhado por toda a terra”.

Novamente, o povo ignorou uma das importantes ordens dadas por Deus quando da criação do primeiro casal:

E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. Gn 1.28

Encher a terra foi uma ordem dada por Deus a Adão e Eva. Essa ordem foi repetida a Noé:
Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Gn 9.1

A ordem do Criador foi que seu povo habitasse toda a terra criada, para que houvesse representantes do seu reino em toda a parte. Mas o povo desobedeceu a ordem e trabalhou para permanecer unido em um lugar distante de Deus.

3.            As ações divinas

Então, desceu o Senhor para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Gn 11.5-6

O povo se esqueceu de que Deus não estava ausente. O Criador “desceu para ver a cidade e a torre”. Essa expressão é semelhante a outras passagens bíblicas nos quais Deus se moveu em direção ao homem.

E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Gn 3.9

Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Gn 6.12

A atitude daquele povo foi tão horrenda que motivou o Senhor de toda a terra a “descer do seu trono” para ver o que se passava.

Acaso, não sabeis? Porventura, não ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os fundamentos da terra? Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra, cujos moradores são como gafanhotos; é ele quem estende os céus como cortina e os desenrola como tenda para neles habitar; é ele quem reduz a nada os príncipes e torna em nulidade os juízes da terra. Is 40.21-23

O texto bíblico nos afirma que o Senhor apontou o fato de todo o povo ter o mesmo idioma como um dos facilitadores para o desenvolvimento de outros planos pecaminosos: “Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer”.

Como Deus santo e justo era, é e sempre será, o Senhor não deixaria impune aqueles pecados cometidos pelo povo.

Então, Deus agiu.

Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou por toda a superfície dela. Gn 11.7-9

Deus confundiu a linguagem do povo, de forma que passou a ser impossível entender o que cada um dizia. A facilidade de comunicação vivenciada por eles, e utilizada para o mal, para afrontar o Criador, foi retirada pelo Deus Supremo. Ao invés de uma língua, agora existiam diversos idiomas.

A variedade de idiomas criados por Deus impediu que aquele povo permanecesse unido. Cada pessoa foi obrigada a procurar aqueles que falavam sua própria língua. A unidade absoluta pretendida por aquele povo não era mais possível.

Os babilônicos afirmavam que Babel significava “o portão de deus”, mas na verdade significa “confusão”, que foi exatamente o que Deus provocou àquele povo ímpio e irreverente.

4.            Esperança para o povo de Deus

O que podemos aprender com esse texto?

Deus dispersou os autoconfiantes. Para o Senhor, não existem planos humanos irresistíveis. O plano de construção da torre de Babel nos lembra da construção do navio Titanic, que foi tido como indestrutível, como o mais seguro navio já construído pela humanidade. Todos sabem da história: em sua primeira viagem, o navio afundou após colidir com uma pedra de gelo (iceberg), o que causou a morte de mais de 1.200 pessoas.

As Escrituras Sagrada nos ensinam que Deus não se agrada de pessoas soberbas, arrogantes, autoconfiantes.

Ele escarnece dos escarnecedores, mas dá graça aos humildes. Pv 3.34

Todavia, dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes. Tg 4.6

Semelhantemente vós, os mais moços, sede sujeitos aos mais velhos. E cingi-vos todos de humildade uns para com os outros, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. 1Pe 5.5

O livro de Gênesis foi escrito por Moisés no momento da caminhada do povo de Israel no deserto, rumo à terra prometida. Naquele momento, em meio a grandes nações ímpias, e diante das cidades fortificadas de Canaã, o povo foi instado a relembrar quem era o Deus Criador a quem serviam: o Deus vivo, todo-poderoso e diligente, que age em favor do seu povo.

Essa mensagem de esperança também foi importante no exílio, quanto a Babilônia era a cidade mais importante do mundo. Mesmo naquele tempo, o povo de Deus podia confiar e esperar o cumprimento da promessa:

Ainda que a Babilônia subisse aos céus e ainda que fortificasse no alto a sua fortaleza, de mim viriam destruidores contra ela, diz o Senhor. Jr 51.53

A dispersão do povo em Babel renovou a esperança do povo de Israel no poder do seu Deus.

Deus espalhou o povo em Babel para restaurar o seu reino. O capítulo 12 de Gênesis narra o chamamento de Abrão pelo Senhor, para, por meio daquele homem, constituir uma grande nação.

A promessa de redenção de Gênesis 3.15 permanecia viva! Deus não havia se esquecido de sua promessa. Ele dispersou os arrogantes e chamou para si um homem que não o procurava. Deus puniu os pecadores e foi ao encontro daquele que seria o pai de uma grande nação, daquele que abençoaria todas as famílias da terra (Gn 12.3).

Cristo cumpriu essa promessa, ao morrer e ressuscitar, o que significou a redenção e a nova vida dos seus filhos.

No Pentecostes, Deus reuniu, ao menos em parte, as nações que foram espalhadas em Babel.

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. At 2.4-6

Em contraste com Babel, que representa a cidade da autonomia e do poder humanos, o Pentecostes, ocorrido em Jerusalém, representa a cidade da confiança em Deus e da busca por obedecer à sua vontade.

5.            Conclusão

Vivemos em um tempo de grandes realizações pelo ser humano: internet em altíssima velocidade, informação instantânea, grandes invenções etc. Lamentavelmente, muitos homens e mulheres têm utilizado a capacidade intelectual dada por Deus para se afastar Dele e afrontá-lo.

Nós, cristãos, vivemos neste mundo, e temos sido impulsionados à tentação da autoconfiança e a negar nossa fé e abraçar crenças contrárias à Palavra e à vontade Deus.

Não devemos temer e muito menos ceder! Nós cremos e servimos ao Deus Soberano, o Deus presente, que tudo vê, que age e que nos sustenta debaixo de Sua mão.

Deus não está morto! Deus está vivo e ativo, edificando sua igreja a cada momento. Cristo é nosso advogado e nosso Senhor, ele intercede por nós e nos defende de todo o mal.

Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador. Eu anunciei salvação, realizei-a e a fiz ouvir; deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus. Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? Is 43.11-13

Prossigamos com fé, esperança e alegria rumo à pátria celestial!

Soli Deo Gloria


[1] Extraído e adaptado de: Greidanus, Sidney. Pregando Cristo a partir de Gênesis; traduzido por Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 145-164.

domingo, 29 de setembro de 2019

Características do reino de Deus

Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra. Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos. E, estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto Jesus subia, eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles e lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir. At 1.6-11


 1.  Introdução

Nós somos cristãos. E, como cristãos, aprendemos desde o início da caminhada que pertencemos ao reino de Deus e que devemos pregar a beleza deste reino para as pessoas que ainda não foram alcançadas pela graça de Cristo.

Devido à importância do reino de Deus, é necessário que não tenhamos dúvidas sobre o que significa fazer parte desse reino, ou seja, sobre o que as Escrituras nos ensinam a este respeito.

O objetivo dessa mensagem é renovar no coração e na mente de cada cristão algumas características essenciais do reino de Deus, e como isso deve impulsionar nossas vidas ao evangelismo sincero e dedicado.


2.  Os discípulos ainda não compreendiam corretamente o reino de Deus

Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? At 1.6

O Senhor Jesus conviveu diariamente com seus discípulos por três anos, sempre ensinando-os as verdades do reino que estava sendo inaugurado, o reino de Deus.

Porém, apesar desse longo tempo de ensino, a pergunta feita pelos discípulos em Atos 1.6 revelou que eles ainda não haviam compreendido corretamente as características do reino de Deus.

O verbo “restaures” demonstra que os discípulos esperavam a restauração do reino territorial e político de Israel, e de toda a beleza e riqueza que houve nos tempos dos reinados de Davi e de Salomão. Eles esperavam que Jesus restaurasse esse saudoso tempo de glória.
  
O objeto “Israel” reforça essa ideia de restauração da glória de um povo específico, o povo de Israel, que há muito tempo era escravizado pelas nações mais poderosas que viviam ao redor deles. Desde o exílio babilônico os israelitas nunca mais tiveram seu reino restaurado, sua nação reestabelecida e independente. Os discípulos esperavam que Jesus restaurasse a glória da nação de Israel.

A palavra “tempo” demonstra que os discípulos criam que essa restauração ocorreria de forma imediata, sem demora. O povo de Israel já havia sofrido demais, pensavam os discípulos, e certamente havia chegado a hora de Jesus modificar isso.

O pensamento e a esperança dos discípulos estavam equivocados. E Cristo tratou de corrigir esse erro, apresentando as características fundamentais do seu reino, o reino de Deus.


3.  Características do reino de Deus

3.1. O reino de Deus é espiritual

Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo (...) At 1.7-8a

Jesus iniciou sua resposta com a promessa do envio do Espírito Santo aos discípulos. Mas, qual a relação desse assunto com a pergunta feita pelos discípulos? O que o Espírito Santo tinha a ver com a restauração do reino?

Os dois assuntos estão intimamente ligados. O reino de Deus não pode existir e não pode ser explicado sem o Espírito Santo.

Ao apontar para a importância do Espírito Santo na vida dos discípulos, Jesus apresentou seu reino não como um reino terreno e político, mas sim como o reino espiritual, o reino composto por todas as pessoas que foram alcançadas pela graça salvadora de Cristo e que receberam o poder do Espírito de Deus em suas vidas.

Ao anunciar seu reino como o reino espiritual, Cristo cumpriu definitivamente a promessa feita por Deus a Abrão em Gênesis 12:

Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. Gn 12.1-3

Ao chamar Abrão, Deus prometeu que ele seria uma grande nação, e que por meio dele todas as famílias da terra seriam benditas. Cristo cumpriu essa promessa, ao espalhar sua graça salvadora, alcançar seus filhos e dar-lhes o Espírito Santo como selo dessa promessa.

em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória. Ef 1.13-14

O apóstolo Paulo enfatiza aos crentes de Éfeso a importância do Espírito de Deus como a garantia do cumprimento da promessa de Cristo do novo céu e da nova terra.

Os cristãos foram chamados por Cristo para pertencerem ao reino espiritual de Deus, ao qual fazem parte todos os que foram transformados por Jesus e que são guiados pelo Espírito Santo.

Isso não significa que devemos desprezar a realidade na qual vivemos. Os cristãos devem se esforçar por influenciar positivamente a comunidade em que vivem, com ações que glorificam ao Senhor. A diferença é que nossa esperança não deve repousar em governantes terrenos, pois nosso reino é espiritual e governado pelo Único Rei Santo e Poderoso, que cuida de cada um dos seus filhos e que retornará para viver conosco eternamente.


3.2. O reino de Deus é internacional

e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra. At 1.8b

Após explicar que seu reino é espiritual, Jesus afirmou que os discípulos seriam suas testemunhas em vários lugares.

Isso significa que o reino de Deus não seria restrito à nação de Israel. O reino inaugurado por Cristo seria o reino internacional, composto por pessoas de todas as tribos, povos e raças.

Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação. Ap 7.9-10

O reino de Deus é o reino de todas as pessoas que foram alcançadas pela graça de Cristo. Não há exclusividade de um povo, não há privilégio de nascimento. As Escrituras nos ensinam que “todos pecaram e carecem da glória de Deus (Rm 3.23)”, logo, todos carecem da graça salvadora que somente Cristo pode dar.

Cristo inaugurou o reino internacional, o reino de todos os que foram salvos por Ele mesmo, o reino de todos aqueles que não eram povo, mas que foram feitos filhos de Deus.
  
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. 1Pe 2.9-10

O livro de Atos dos Apóstolos apresenta claramente essa característica do reino de Deus, ao demonstrar a transformação de vidas de pessoas de todas as nações.

Logo de início, ao registrar a primeira conversão (Atos 2), é possível perceber que salvas pessoas de todas as nações:

E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? (...) Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. At 2.8, 41

Portanto, ao contrário do que os discípulos pensavam, o reino de Deus não era exclusivo dos israelitas, mas sim o reino internacional, composto por todos os que foram salvos por Cristo.


3.3. O reino de Deus cresce gradualmente

e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra. At 1.8b

A terceira característica do reino de Deus é que ele cresce gradualmente.

Os discípulos esperavam que Cristo restaurasse imediatamente a glória antiga do reino de Israel, por meio da vitória sobre os romanos e sobre qualquer outro povo que ameaçasse os israelitas.

Entretanto, após apresentar seu reino como espiritual e internacional, Jesus explicou aos discípulos que o reino cresceria gradualmente. O primeiro local de crescimento seria a cidade de Jerusalém; posteriormente, as regiões da Judeia e de Samaria seriam alcançadas; por fim, até mesmo os confins da terra experimentariam o amor de Cristo.

O livro de Atos apresenta esse desenvolvimento gradual do reino de Deus:

- Conversões em Jerusalém: At 2.41, 4.4, 5.14
- Conversões na Judeia e Samaria: At 8.4-5,40
- Conversões até os confins da terra: viagens missionárias (At 13, 16 e 19)

O reino de Deus crescia dia a dia, e nem mesmo as perseguições foram capazes de parar esse crescimento. Por onde iam, os cristãos pregavam o amor de Cristo e o Espírito Santo transformava vidas de cidade em cidade.

Esse desenvolvimento fez o Evangelho chegar até nós, por meio de valorosos homens e mulheres que dedicaram suas vidas à pregação da Palavra de Deus.

Hoje, a ordem para continuar a pregação do Evangelho foi dada a nós, e não podemos descumpri-la. Precisamos dedicar tempo e esforço no cumprimento desse mandamento, a fim de honrar o nome de Cristo, nosso Senhor e Salvador.


4.  Conclusão

Como cristãos, pertencemos ao reino de Deus, e não podemos ter dúvidas sobre o que as Escrituram nos ensinam a este respeito.

Apesar de terem convivido por três anos com Jesus, os discípulos ainda não haviam compreendido corretamente o significado do reino de Deus. Eles pensavam que o reino de Deus seria político, nacional e imediato.

Jesus ensinou aos seus discípulos que seu reino é o reino espiritual, composto por todas as pessoas transformadas por Sua graça e guiadas por Seu Espírito.

O reino de Deus também é internacional, composto por pessoas de todas as tribos, povos e raças.

Por fim, o reino de Deus cresce gradualmente, dia a dia, e cabe a nós continuar a anunciação das boas novas do Evangelho de Cristo, para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16).

Soli Deo Gloria


Extraído e adaptado de STOTT, John. A Mensagem de Atos: até os confins da terra; traduzido por Markus André Hediger e Lucy Yamakami. São Paulo: ABU Editora, 2003. 2ª reimpressão. 462p.

Características da verdadeira religião


1.  Introdução

Existem muitas religiões no mundo, com diversas crenças e práticas. Muitos seguem o islamismo, o budismo, o hinduísmo, o judaísmo, o espiritismo, dentre outros. No Brasil, a maioria das pessoas se denomina católica. Nós somos cristãos reformados.

Em meio a tantas crenças diferentes, é essencial que saibamos “dar razão da nossa esperança”, como nos ensinou o apóstolo Pedro.

antes santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós; 1Pe 1.15

Em resumo, nesta oportunidade pretendemos pensar um pouco sobre a seguinte pergunta: “O que significa ser cristão?” Ou, em outras palavras: “Quais as características da verdadeira religião?”


2.  O Cristianismo como um sistema de vida

Para responder essas perguntas, é necessário ter em mente que o Cristianismo é a religião que se distingue de todas as demais religiões existentes, pois aborda de forma única alguns aspectos essenciais da vida humana: nossa relação com Deus, nosso relacionamento com o homem e nosso relacionamento com o mundo criado.


2.1.    Nossa relação com Deus

O primeiro aspecto que difere o Cristianismo de todas as demais religiões é a forma como ele defende a relação entre o cristão e Deus.

Algumas religiões defendem que Deus está presente em toda a criação, e que a soma de tudo o que existe é o próprio Deus; outras religiões separam completamente Deus do mundo criado, sem existir relacionamento entre eles. Outras religiões se colocam como mediadoras entre Deus e o mundo criado, e reivindicam para si o poder de salvar as pessoas.

Diferentemente de tudo isso, o Cristianismo é a única religião que defende a verdade bíblica de que o próprio Deus Criador entra em comunhão imediata com a criatura. O ser humano foi criado por Deus, e, desde então, é Deus quem vai ao encontro do homem para se relacionar com ele.

Mesmo após a queda, Deus foi em direção a Adão e Eva e perguntou onde eles estavam. Eles responderam que estavam escondidos, com medo.

Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi. Gn 3.8-10

Desde o início da criação, o homem foge da presença de Deus por causa do pecado, mas o próprio Deus é quem vai ao encontro do homem para resgatá-lo.

Ser cristão significa ter sido salvo pelo próprio Deus, por meio da obra de Cristo. Deus buscou o homem após o pecado; Cristo se humilhou e se encarnou para sofrer e morrer em lugar dos seus filhos; o Espírito Santo veio habitar na vida de cada cristão.

A história das Escrituras é a história da ação de Deus com o objetivo de alcançar e salvar os seus filhos. Ser cristão significa compreender e viver essa realidade, e buscar o Senhor em oração para ser usado, por Ele, como instrumento na sua obra.


2.2.    Nosso relacionamento com o homem

O segundo aspecto que difere o Cristianismo de todas as demais religiões é a forma como ele defende a relação entre o cristão e os demais homens.

Algumas religiões acentuam as diferenças existentes entre os homens, com o desenvolvimento da ideia de castas ou classes sociais diferentes, onde poucos estão no topo e muitos estão na base. Os homens que estão no topo se dizem em contato próximo com a divindade, com o sagrado, enquanto os que estão na base da pirâmide social são os menos favorecidos. Essas religiões acabam por legitimar a desigualdade entre os seres humanos.

Outras religiões e sistemas filosóficos tentam eliminar todas as diferenças existentes entre os seres humanos, até mesmo as mais básicas, como as diferenças físicas e genéticas. Isso acaba por criar (ou tentar criar) um homem-mulher ou uma mulher-homem, com a falsa ideia de não existir diferenças entre eles. Cada um pode ser e viver da maneira que bem lhe parecer.

Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto. Jz 21.25

O Cristianismo se afasta desses erros, e é a única religião que compreende corretamente como deve ocorrer o relacionamento entre os seres humanos.

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27), mas o pecado quebrou o relacionamento com seu Criador. As Escrituras nos ensinam que todos carecem da graça de Deus (Rm 3.10-12), ou seja, todos estão em condição de igualdade diante do Criador.

como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. Rm 3.10-12

Ao compreender e defender essa verdade bíblica, o cristão compreende, também, que não há fundamento para a existência de qualquer hierarquia entre os seres humanos.

O cristão deve trabalhar pela transformação social através de uma interpretação mais séria da vida, através de um estilo de vida que busque dar glória a Deus em todos os momentos, através de relacionamentos fundamentados no respeito e na compaixão com o próximo, ciente de que ele carece da graça salvadora de Deus como nós carecíamos antes de termos sido transformados por Ele mesmo.


2.3.    Nosso relacionamento com o mundo criado

O terceiro aspecto que difere o Cristianismo de todas as demais religiões é a forma como ele defende a relação entre o cristão e o mundo criado.

Enquanto algumas religiões exaltam de forma exagerada a criação, na crença de que Deus está nela, outras religiões desprezam o mundo criado, na expectativa de alcançar um paraíso sensual por suas obras.

O Cristianismo compreende que essas visões de mundo estão equivocadas. Os cristãos entendem, pelas Escrituras, que devem administrar a criação de forma a glorificar a Deus com suas ações.

E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. Gn 1.28-29

Um dos princípios que nortearam a Reforma Protestante foi o princípio da frugalidade (moderação ou simplicidade), que significa o esforço do cristão por ter uma vida simples e grata diante de Deus, dos demais homens e do mundo criado.

Isso somente será possível se compreendermos nossa situação diante de Deus (pecadores condenados ao inferno), a obra redentora de Deus em nossas vidas (Cristo nos salvou), a obra contínua do Espírito nos tornando mais parecidos com o Mestre a cada dia (santificação), e a esperança do novo céu e da nova terra juntamente com nosso Senhor e Salvador.

Com isto em mente, resta ao cristão viver em gratidão constante a Deus por sua graça maravilhosa, e viver de forma a espalhar as boas novas de Cristo para as demais pessoas. Vida simples, grata e feliz.

O cristão deve se esforçar para evitar a acumulação exagerada de riquezas, pois isso colabora para a exploração do homem pelo homem, para a criação das classes sociais e para o aumento da desigualdade entre as pessoas.


3.  Conselhos práticos para a vida do cristão

A carta de Tiago nos dá várias instruções preciosas sobre como viver de forma a agradar a Deus.

Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus. Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma. Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar. Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes, enganando o próprio coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.

Vejamos algumas atitudes práticas que devemos ter:

- Esforço para abandonar o pecado e aprender mais de Cristo, por meio do estudo das Escrituras e da prática da oração.

- Não ser justo aos próprios olhos, ou seja, não ser arrogante ou orgulhoso.

- Controlar a língua (não ser fofoqueiro e curioso com a vida de outras pessoas).

- Ser atencioso e generoso com pessoas que necessitam de ajuda.

Essas atitudes parecem simples, mas é através delas que nós, cristãos, podemos ser usados como instrumentos de Deus na transformação da vida de outras pessoas, e até mesmo de bairros e cidades inteiras.

Devemos lembrar que Deus usou um pregador que não queria pregar e uma mensagem de poucas palavras para salvar uma cidade inteira.

Ao Senhor pertence a salvação! Jn 2.9b

O que Deus pode fazer através de nossas vidas?


4.  Conclusão

Em resumo, vimos que:

Existem muitas religiões no mundo, mas somente o Cristianismo é o sistema de vida que agrada a Deus.

Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. Jo 4.24

O Cristianismo é a única religião que ensina a forma correta de relacionamento do homem com Deus, com os outros homens e com o mundo criado.

O Cristianismo ensina que o Deus Criador vai ao encontro do homem perdido para resgatá-lo. Por isso, o cristão deve viver em gratidão a Deus pela salvação dada por Cristo.

O Cristianismo ensina que todos os seres humanos pecaram e carecem da graça de Deus. Por isso, não há fundamento para qualquer tipo de hierarquia entre os homens, ou qualquer exploração de um homem por outro.

O Cristianismo ensina que o cristão deve cuidar da criação de forma a glorificar o Criador, o que se traduz em uma vida simples, grata e feliz diante de Deus e dos demais homens.

Soli Deo Gloria


Extraído e adaptado de KUYPER, Abraham. Calvinismo; traduzido por Ricardo Gouvêa e Paulo Arantes. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 208p.