segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A torre de Babel


Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente, deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Então, desceu o Senhor para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou por toda a superfície dela. Gênesis 11.1-9

1.            Um povo duplamente amaldiçoado

Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente, deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. Gn 11.1-2

O autor do texto bíblico inicia essa passagem nos informando que todos os seres humanos se comunicavam utilizando o mesmo idioma. Isso certamente tornava a comunicação entre eles extremamente fácil. Um dos grandes desafios atuais para todos que querem crescer profissionalmente é aprender outros idiomas, para aumentar a rede de contatos e as possibilidades de desenvolvimento. Naquele tempo, isso não era um problema.

O versículo 2 nos conta que uma parte do povo resolveu partir do Oriente, ou seja, de uma terra próxima ao Jardim do Éden, e foi habitar na terra de Sinar. Gn 10.10 nos mostra que esse povo era os filhos de Cam, segundo filho de Noé.

Os filhos de Cam: Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã. Os filhos de Cuxe: Sebá, Havilá, Sabtá, Raamá e Sabtecá; e os filhos de Raamá: Sabá e Dedã. Cuxe gerou a Ninrode, o qual começou a ser poderoso na terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. O princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar. Gn 10.6-10

O capítulo 9 de Gênesis nos mostra que Cam foi o filho amaldiçoado por Noé, pela sua reação ao ter visto a nudez do pai.

Logo, o texto objeto de nossa meditação nos apresenta os filhos de Cam (que havia sido amaldiçoado por Noé) indo habitar longe do Jardim do Éden (que era a terra da bênção especial do Deus Criador).

Portanto, esse povo carregava dupla maldição paterna: haviam sido amaldiçoados tanto pelo pai terreno quanto pelo pai celestial.

2.            O plano e a motivação do povo

E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Gn 11.3-4

Os versículos 3 e 4 nos contam que esse povo era inteligente, eles inventaram uma forma de construção de casas. Sem dúvida, podemos ver claramente a graça de Deus ao preservar a capacidade intelectual do ser humano mesmo após a desobediência e a queda.

O povo teve a ideia de edificar uma cidade. Essa cidade, chamada Babel, mais tarde se chamaria Babilônia.

Isso nos aponta para a atitude de Caim (Gn 4.17), que tentou superar as dificuldades enfrentadas construindo uma cidade.

E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho. Gn 4.17

Além da cidade, o povo resolveu construir uma torre “cujo topo chegasse até aos céus”.

O texto bíblico não deixa dúvidas quanto à motivação para a construção da torre: tornar célebre o nome daquele povo, para que não fossem espalhados por toda a terra.

“Tornar célebre o nosso nome”. Esse era o primeiro objetivo daquele povo, e revelava o intento dos seus corações: assim como Adão e Eva, aquele povo desejava ser importante, ter um nome marcante e inesquecível. No fundo, eles desejavam ser como Deus.

Que pecado terrível! Aquele povo queria ter um nome grande, glorioso. Eles ignoraram completamente o fato de que somente Deus tem o nome exaltado, somente ele deve ser adorado e lembrado de gerações em gerações.

Aquele cujo braço glorioso ele fez andar à mão direita de Moisés? Que fendeu as águas diante deles, criando para si um nome eterno? Is 63.12

A segunda motivação do povo para a construção da alta torre era “não ser espalhado por toda a terra”.

Novamente, o povo ignorou uma das importantes ordens dadas por Deus quando da criação do primeiro casal:

E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. Gn 1.28

Encher a terra foi uma ordem dada por Deus a Adão e Eva. Essa ordem foi repetida a Noé:
Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Gn 9.1

A ordem do Criador foi que seu povo habitasse toda a terra criada, para que houvesse representantes do seu reino em toda a parte. Mas o povo desobedeceu a ordem e trabalhou para permanecer unido em um lugar distante de Deus.

3.            As ações divinas

Então, desceu o Senhor para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Gn 11.5-6

O povo se esqueceu de que Deus não estava ausente. O Criador “desceu para ver a cidade e a torre”. Essa expressão é semelhante a outras passagens bíblicas nos quais Deus se moveu em direção ao homem.

E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Gn 3.9

Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Gn 6.12

A atitude daquele povo foi tão horrenda que motivou o Senhor de toda a terra a “descer do seu trono” para ver o que se passava.

Acaso, não sabeis? Porventura, não ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os fundamentos da terra? Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra, cujos moradores são como gafanhotos; é ele quem estende os céus como cortina e os desenrola como tenda para neles habitar; é ele quem reduz a nada os príncipes e torna em nulidade os juízes da terra. Is 40.21-23

O texto bíblico nos afirma que o Senhor apontou o fato de todo o povo ter o mesmo idioma como um dos facilitadores para o desenvolvimento de outros planos pecaminosos: “Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer”.

Como Deus santo e justo era, é e sempre será, o Senhor não deixaria impune aqueles pecados cometidos pelo povo.

Então, Deus agiu.

Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou por toda a superfície dela. Gn 11.7-9

Deus confundiu a linguagem do povo, de forma que passou a ser impossível entender o que cada um dizia. A facilidade de comunicação vivenciada por eles, e utilizada para o mal, para afrontar o Criador, foi retirada pelo Deus Supremo. Ao invés de uma língua, agora existiam diversos idiomas.

A variedade de idiomas criados por Deus impediu que aquele povo permanecesse unido. Cada pessoa foi obrigada a procurar aqueles que falavam sua própria língua. A unidade absoluta pretendida por aquele povo não era mais possível.

Os babilônicos afirmavam que Babel significava “o portão de deus”, mas na verdade significa “confusão”, que foi exatamente o que Deus provocou àquele povo ímpio e irreverente.

4.            Esperança para o povo de Deus

O que podemos aprender com esse texto?

Deus dispersou os autoconfiantes. Para o Senhor, não existem planos humanos irresistíveis. O plano de construção da torre de Babel nos lembra da construção do navio Titanic, que foi tido como indestrutível, como o mais seguro navio já construído pela humanidade. Todos sabem da história: em sua primeira viagem, o navio afundou após colidir com uma pedra de gelo (iceberg), o que causou a morte de mais de 1.200 pessoas.

As Escrituras Sagrada nos ensinam que Deus não se agrada de pessoas soberbas, arrogantes, autoconfiantes.

Ele escarnece dos escarnecedores, mas dá graça aos humildes. Pv 3.34

Todavia, dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes. Tg 4.6

Semelhantemente vós, os mais moços, sede sujeitos aos mais velhos. E cingi-vos todos de humildade uns para com os outros, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. 1Pe 5.5

O livro de Gênesis foi escrito por Moisés no momento da caminhada do povo de Israel no deserto, rumo à terra prometida. Naquele momento, em meio a grandes nações ímpias, e diante das cidades fortificadas de Canaã, o povo foi instado a relembrar quem era o Deus Criador a quem serviam: o Deus vivo, todo-poderoso e diligente, que age em favor do seu povo.

Essa mensagem de esperança também foi importante no exílio, quanto a Babilônia era a cidade mais importante do mundo. Mesmo naquele tempo, o povo de Deus podia confiar e esperar o cumprimento da promessa:

Ainda que a Babilônia subisse aos céus e ainda que fortificasse no alto a sua fortaleza, de mim viriam destruidores contra ela, diz o Senhor. Jr 51.53

A dispersão do povo em Babel renovou a esperança do povo de Israel no poder do seu Deus.

Deus espalhou o povo em Babel para restaurar o seu reino. O capítulo 12 de Gênesis narra o chamamento de Abrão pelo Senhor, para, por meio daquele homem, constituir uma grande nação.

A promessa de redenção de Gênesis 3.15 permanecia viva! Deus não havia se esquecido de sua promessa. Ele dispersou os arrogantes e chamou para si um homem que não o procurava. Deus puniu os pecadores e foi ao encontro daquele que seria o pai de uma grande nação, daquele que abençoaria todas as famílias da terra (Gn 12.3).

Cristo cumpriu essa promessa, ao morrer e ressuscitar, o que significou a redenção e a nova vida dos seus filhos.

No Pentecostes, Deus reuniu, ao menos em parte, as nações que foram espalhadas em Babel.

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. At 2.4-6

Em contraste com Babel, que representa a cidade da autonomia e do poder humanos, o Pentecostes, ocorrido em Jerusalém, representa a cidade da confiança em Deus e da busca por obedecer à sua vontade.

5.            Conclusão

Vivemos em um tempo de grandes realizações pelo ser humano: internet em altíssima velocidade, informação instantânea, grandes invenções etc. Lamentavelmente, muitos homens e mulheres têm utilizado a capacidade intelectual dada por Deus para se afastar Dele e afrontá-lo.

Nós, cristãos, vivemos neste mundo, e temos sido impulsionados à tentação da autoconfiança e a negar nossa fé e abraçar crenças contrárias à Palavra e à vontade Deus.

Não devemos temer e muito menos ceder! Nós cremos e servimos ao Deus Soberano, o Deus presente, que tudo vê, que age e que nos sustenta debaixo de Sua mão.

Deus não está morto! Deus está vivo e ativo, edificando sua igreja a cada momento. Cristo é nosso advogado e nosso Senhor, ele intercede por nós e nos defende de todo o mal.

Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não há salvador. Eu anunciei salvação, realizei-a e a fiz ouvir; deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus. Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? Is 43.11-13

Prossigamos com fé, esperança e alegria rumo à pátria celestial!

Soli Deo Gloria


[1] Extraído e adaptado de: Greidanus, Sidney. Pregando Cristo a partir de Gênesis; traduzido por Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 145-164.

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