1. INTRODUÇÃO
Indo Jesus para os lados de Cesaréia de
Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? E
eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou
algum dos profetas. Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? Respondendo
Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe
afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que
to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares
na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido
desligado nos céus. Então, advertiu os discípulos de que a ninguém dissessem
ser ele o Cristo. Mt 16.13-20
Quem
é Jesus Cristo?
Esta
é uma pergunta recorrente ao longo da história do Cristianismo, e já foi
respondida de diferentes formas.
Em
uma conversa, Jesus perguntou aos seus discípulos, inicialmente, quem o povo
dizia ser Ele. As respostas foram variadas: João Batista, Elias, Jeremias ou
alguns dos profetas. Essas respostas demonstravam que o povo debatia o assunto
para formar sua opinião.
As
Escrituras relatam que essa pergunta já havia sido feita por João Batista (Mt
11.3), pela multidão e pelos líderes religiosos da época (Lc 5.21, 7.49; Jo
1.19).
Após
perguntar a opinião do povo, Jesus questionou os próprios discípulos. Coube a
Pedro, em nome dos doze, apresentar a seguinte resposta: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo”.
O
que as Escrituras nos dizem a respeito? Qual a resposta mais adequada? Como
essa resposta influencia o entendimento sobre vida cristã e evangelismo?
2. AS DUAS NATUREZAS DE
CRISTO
Para
responder essa pergunta é necessária uma correta compreensão sobre as duas
naturezas de Cristo: a natureza humana e a natureza divina. E é exatamente a
singularidade e a complexidade do Ser de Cristo que torna essa resposta tão
desafiadora.
2.1. A negação da
natureza divina de Cristo
Uma
das primeiras tentativas de resposta foi dada pelos chamados “ebionitas”,
cristãos dos primeiros séculos que negavam a natureza divina de Cristo e
ressaltavam a importância da Lei de Moisés. Ficaram conhecidos como “cristãos
judaizantes”.
“(...) Com o propósito de proteger e
defender o monoteísmo, os ebionitas tentaram negar a divindade de Jesus Cristo,
evitando assim o perigo de se ter mais de um Deus e de se acrescer mais um ser na
divindade. Eles negaram a possibilidade de haver uma união entre o divino e o
humano no Redentor. Um só ser não podia ser as duas coisas, Deus e homem; muito
menos poderia haver dois deuses. Eles consideraram Jesus como um mero homem,
apenas o filho de José e Maria, que foi qualificado no seu batismo, quando o
Espírito Santo desceu sobre ele, para exercer as funções do Messias. Os
ebionitas rejeitaram os ensinos de Paulo e honraram os de Tiago e Pedro. (...)”[1]
Os
ebionitas creem que Jesus foi um grande mestre e profeta que foi adotado por
Deus e elevado a uma condição intermediária entre Deus e os homens. Essa crença
foi adotada por Ário no Século IV, pelo liberalismo do Século 18 (destaques
para Kant e Schleiermacher) e atualmente pelas Testemunhas de Jeová.
O
que as Escrituras dizem a respeito?
As
Escrituras ensinam que Cristo é o único Filho de Deus, é verdadeiro e eterno
Deus e possui a mesma substância do Pai.
Eis que a virgem conceberá e dará à luz
um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus
conosco). Mt 1.23
No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as
coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se
fez. (...) Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do
Pai, é quem o revelou. Jo 1.1-3,18
Também sabemos que o Filho de Deus é
vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no
verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida
eterna. 1Jo 5.20
pois ele, subsistindo em forma de Deus,
não julgou como usurpação o ser igual a Deus; Fp 2.6
porquanto, nele, habita, corporalmente,
toda a plenitude da Divindade. Cl 2.9
O
ebionismo é contrário ao ensinado nas Escrituras Sagradas. Seu ensino reduz
Cristo a um homem que, embora seja “especial”, não é o próprio Deus.
Qual
o perigo desse ensino nos dias atuais?
O
ensino ebionita reduz Cristo a um mero homem e reduz o Evangelho às questões
seculares, ao negar sua importância como as boas-novas da salvação. O evangelho
passa a ser, apenas, uma forma de melhoria das condições sociais e morais, e o
cristão o agente dessas transformações.
Para
os ebionitas, ser cristão é apenas esforçar-se por ter uma moralidade elevada e
ser fortemente engajado nas questões sociais, como forma de ajudar o maior
número de pessoas a melhorarem sua condição humana. Essa equivocada visão do
mundo justifica a supervalorização das cartas de Tiago e de Pedro, que possuem
forte apelo à responsabilidade cristã quanto às questões sociais, e justifica,
também, o desprezo aos ensinos do apóstolo Paulo que ressaltam a natureza
divina de Cristo.
O
ebionismo é contrário ao ensino fiel das Escrituras e deve ser prontamente
rejeitado pelos cristãos. Por semelhante modo, as aplicações práticas desse
ensino equivocado também devem ser refutadas, por negarem a divindade de
Cristo, que é um dos aspectos primordiais da fé cristã.
2.1. A negação da
natureza humana de Cristo
Outra
tentativa de responder à pergunta “Quem é Jesus Cristo?” foi dada pelos
chamados “docetistas” no Século II.
Os
docetistas (do grego docetai, que
significa “parecer” ou “aparência”) ensinavam que Jesus Cristo possuía apenas
aparência de homem, mas não possuía um corpo físico real.
“(...) Uma tendência docética não
precisa ser uma negação total da humanidade de Jesus Cristo, mas é docetismo
qualquer tentativa de negar a plenitude da sua humanidade. (...)”[2]
Essa
ideia foi amplamente aceita pelo gnosticismo, que defendia o dualismo grego
“matéria má, espírito bom”, ou seja, a existência de dois universos totalmente
distintos, o universo material (carnal), que é mau, e o universo espiritual,
que é bom.
Como
Cristo é o Ser Divino, ele não poderia se misturar à carne, que é má; logo, a
única interpretação possível para os docetistas e para os gnósticos é que
Cristo assumiu apenas uma aparência humana, como uma espécie de fantasma, mas nunca
teve a natureza humana, ou seja, nunca foi um homem propriamente dito.
Outro
ensino que nega a natureza humana de Cristo ficou conhecido como “modalismo”,
“sabeliansmo” ou “monarquianismo”.
O
modalismo nega a existência da Trindade e defende a existência de um único Deus,
que se apresenta de três modos ou formas diferentes: como Criador é o Pai, como
Redentor é o Filho e como santificador é o Espírito.
Essa
ideia é fortemente defendida pelo livro e filme “A Cabana”.
O
que as Escrituras dizem a respeito?
Porque muitos enganadores têm saído pelo
mundo fora, os quais não confessam
Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo. 2Jo
1.7
Amados, não deis crédito a qualquer
espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos
profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto
reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo
veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não
procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do
qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. 1Jo 4.1-3
Disseram-lhe, então, os outros
discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu: Se eu não vir nas suas mãos o
sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de
modo algum acreditarei. Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os
seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus,
pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos;
chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente.
Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste,
creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. Jo 20.25-29
Negar
a natureza humana de Cristo implica em desprezar sua morte na cruz. Se Cristo
não tinha um corpo humano, mas apenas a aparência de um homem, sua morte na
cruz nada significou. Consequentemente, significa desprezar sua ressurreição.
Sem
a morte real e sem a ressurreição de Cristo é impossível crer na salvação
ensinada pelas Escrituras.
A
salvação, para os docetistas e gnósticos, seria a libertação, definitiva, do
espírito da prisão ao qual estava submetido, que era o corpo. Salvação
significaria, tão somente, a libertação do espírito e a destruição do corpo.
Por
mais espantoso que pareça, essa ideia tem ganhado força nos tempos atuais.
Muitos cristãos defendem que Cristo não se preocupa com o corpo, pois veio para
salvar apenas o espírito (ou a alma). Sendo assim, cada pessoa pode viver como
melhor lhe parecer, desde que seu espírito (ou alma, muitas vezes confundida
com a razão) esteja “voltado para Deus”.
Na
prática, essas pessoas vivem totalmente afastadas de Deus e dos Seus
ensinamentos práticos, mas, periodicamente, participam de eventos “religiosos”,
nos quais têm “contato” com o divino para “alimentar seu espírito”.
Outra
consequência negativa do docetismo é a alienação dos cristãos atuais quanto aos
problemas da sociedade, que, não raro, implica em verdadeira fuga desses
assuntos. As igrejas passam a evitar o ensino dos temas atuais, como política,
economia, relacionamentos interpessoais etc., e restringe-se aos temas
doutrinários. O Evangelho passa a ser pregado apenas de forma individual, e não
mais de forma abrangente, tanto no modo de exposição quanto aos efeitos de
transformação. Tem-se perdido de vista o grande poder do Evangelho de Cristo,
que transforma tanto o espírito como a carne, tanto a mente como o coração.
O
docetismo é contrário ao ensino fiel das Escrituras e, tal como o ebionismo,
deve ser prontamente rejeitado pelos cristãos. As aplicações práticas desse
ensino equivocado também devem ser refutadas, por negarem a humanidade de
Cristo, que também é um dos aspectos primordiais da fé cristã.
3. A UNIÃO DAS DUAS
NATUREZAS DE CRISTO E SEU IMPACTO NA EVANGELIZAÇÃO
As
Escrituras ensinam que é heresia negar tanto a natureza divina como a natureza
humana de Cristo. Isso impacta grandemente a noção de evangelização dos
cristãos.
Evangelizar
não significa pregar, de forma individual, apenas os temas doutrinários, por
meio dos quais as pessoas aprenderão sobre a realidade espiritual. Cristo
também não cumpriu o plano da Redenção apenas para transformar o espírito dos
seus filhos, mas sim para transformar todos os aspectos das suas vidas.
Evangelizar
também não significa pregar apenas que Cristo é capaz de dar aos seus filhos
uma moralidade elevada e transformar sua realidade social. Cristo não cumpriu o
plano da Redenção apenas para transformar a realidade social dos seus filhos,
mas sim para transformar todos os aspectos das suas vidas.
“(...) Essas duas perspectivas padecem
de limitações. A primeira, de tendência docética, pode levar, e com frequência
leva, a uma atitude de alienação e escapismo em relação aos problemas do mudo e
da sociedade. É característica de boa parcela do evangelicalismo conservador e
entusiástico. A outra perspectiva é igualmente reducionista, limitando a
aplicação dos ricos conceitos bíblicos de libertação e reconciliação ao plano
social e político. O reino de Deus passa a ser visto exclusivamente em termos
terrenos, de transformação das estruturas mediante a ação humana, e Cristo
torna-se um mero símbolo e um exemplo a ser seguido nesse esforço. O ideal é
que os cristãos, em sua reflexão e em sua práxis, recuperem a visão bíblica
holística de Jesus Cristo, como aquele cuja obra libertadora e reconciliadora
abrange todas as dimensões da existência. (...)”[3]
Responder
de forma correta sobre “Quem é Cristo Jesus?” é responder, de forma correta,
sobre as duas naturezas do Redentor.
A
resposta de Pedro “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, é a resposta humana
mais adequada a essa pergunta, pois exalta tanto a natureza divina como a
natureza humana de Cristo.
“(...) A única resposta adequada à
questão colocada por Jesus foi dada por Pedro nas palavras, Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Pedro sabia que Jesus não era apenas outro
na longa linha de profetas aos quais o Deus vivo falara de muitas maneiras
diferentes no passado, mas era o Filho desse Deus vivo que conhecia, como
somente esse Filho poderia conhecer, a mente e os propósitos do seu Pai. (...)”[4]
“(...) Jesus fez a pergunta para todos
os discípulos; Pedro respondeu em nome dos Doze. Sua declaração de que Jesus é
“o Cristo” (v. 16) reflete a percepção de que Jesus era o esperado rei
escatológico profetizado no Antigo Testamento. (...)”[5]
Os
cristãos necessitam estudar as Escrituras com esforço e necessitam clamar a
Deus, constantemente, para que Ele aplique esse ensinamento nos corações dos
seus filhos.
Os
cristãos que compreendem quem é Cristo compreendem, também, qual é a forma
bíblica de evangelizar, que implica em anunciar Cristo como o Salvador do
espírito e do corpo, ou seja, como Salvador de todas as áreas do ser humano.
Pois não me envergonho do evangelho,
porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do
judeu e também do grego. Rm 1.16
A
Igreja de Cristo deve se esforçar no estudo dos temas doutrinários, de modo a
compreender melhor a realidade espiritual, e deve se esforçar, do mesmo modo,
no estudo dos temas seculares, de modo a compreender melhor a realidade social
da qual faz parte e atuar para modificá-la.
Evangelizar
é levar ao perdido tanto a Palavra da Salvação quanto as ações sociais que
dignificam a pessoa. A Igreja necessita pregar, orar e agir em favor dos
perdidos, pois, assim, demonstrará concordância e honrará a definição de Pedro:
“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
Soli Deo Gloria.
4. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFIAS
BÍBLIA
DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil, Cultura Cristã,
2009. 1920 p.
CAMPOS,
Heber Carlos de. As duas naturezas do
Redentor. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 544 p.
MATOS,
Alderi Souza de. A caminhada cristã na História: A Bíblia, a igreja e a
sociedade ontem e hoje. Viçosa/MG: Ultimato, 2005. 256 p.
TASKER,
R.V.G. Mateus: Introdução e Comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições
Vida Nova, 2011. 229 p.
[1]
CAMPOS, Heber Carlos de. As duas naturezas do Redentor. São Paulo: Cultura
Cristã, 2014, p. 139-140.
[2] Ibidem, p. 348.
[3]
MATOS, Alderi Souza de. A caminhada cristã na História: A Bíblia, a igreja e a
sociedade ontem e hoje. Viçosa/MG: Ultimato, 2005, p. 95.
[4]
TASKER, R.V.G. Mateus: Introdução e Comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa
Edições Vida Nova, 2011, p.126.
[5]
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil, Cultura
Cristã, 2009. Nota de rodapé sobre Mt 16.15-16, p. 1256.
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