TÓPICOS DA AULA
1. Definição
2. Ato da Trindade
3. Ato temporal
4. Criação ex
nihilo
5. Existência distinta de Deus
6. Finalidade da criação
7. Bibliografia
1. DEFINIÇÃO
Após estudarmos os decretos de Deus de uma ótica
mais teórica, passaremos a analisar o aspecto prático, ou seja, como o Criador
executou sua vontade, que teve início com a obra da criação.
O primeiro texto das Escrituras cuidou de
apresentar Deus como o Criador dos céus e da terra.
No princípio, criou Deus os céus e a terra. Gn 1.1
Essa verdade é expressa desde o início da igreja
cristã, e é a primeira afirmação contida no Credo Apostólico:
“(...)
Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da terra. (...)”[1]
A Confissão de Fé de Westminster define a obra da
criação da seguinte forma:
“(...) No
princípio, aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para manifestação
da glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no
espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visível ou
invisível. (...)”[2]
2. ATO DA TRINDADE
As Escrituras afirmam que a criação não foi um ato
exclusivo de Deus Pai, mas sim um ato da Trindade. Deus criou todas as coisas
por meio do Filho e por meio do Espírito Santo.
“(...)
Nesse contexto, o Filho e o Espírito não são vistos como forças secundárias,
mas como agentes ou “princípios” (principia)
independentes, como autores (auctores)
que, como o Pai, realizaram a obra da criação e que, com ele, também constituem
o único Deus verdadeiro. (...)”[3]
Vejamos alguns textos bíblicos que expressam essa
verdade:
Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e
sem ele nada do que foi feito se fez. Jo 1.3
Porque, ainda que há também alguns que se chamem
deuses, quer no céu, ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores,
todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem
existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós
também por ele. 1Co 8.5-6
Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata
do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de
ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade na
alturas, Hb 1.3
A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Gn 1.3
O Espírito de Deus me fez; e o sopro do Todo-poderoso
me dá vida. Jó 33.4
Envias o teu Espírito, eles são criados, e assim
renovas a face da terra. Sl 104.30
A obra da criação foi inteiramente efetuada pela
Trindade, o que demonstra sua unidade; por outro lado, cada Pessoa da Trindade
exerce uma função ou tarefa nessa obra: a iniciativa procede do Pai, todas as
coisas são criadas pelo Filho e o Espírito é quem dá e mantém a vida a tudo que
existe.
“(...)
Todas as coisas se originam simultaneamente do Pai por meio do Filho e do
Espírito. O Pai é a causa primária: a iniciativa para a criação procede dele.
Logo, em um sentido administrativo, a criação é especificamente atribuída a
ele. O Filho não é um instrumento, mas a sabedoria pessoal, o Logos, por meio
de quem tudo é criado: tudo subsiste nele (Cl 1.17) e é criado para ele (Cl
1.16) não como seu objetivo final, mas como cabeça e mestre de todas as
criaturas (Ef 1.10). E o Espírito Santo é a causa pessoal imanente pela qual
todas as coisas vivem, se movem e têm seu ser, recebem sua própria forma e
configuração e são levadas ao seu destino, em Deus. (...)”[4]
3. ATO TEMPORAL
Uma questão que
sempre intrigou muitas pessoas é a relação entre a criação e o tempo. Os seres
humanos têm facilidade em perceber o início de tudo que existe. Todas as coisas
tiveram início em algum momento do tempo. Entretanto, o que existia antes do
momento em que Deus criou o mundo? O que Deus fazia antes disso? Se Deus é
imutável, como Ele passou de um período de inatividade para um período de
atividade?
Para responder
essas perguntas, é necessário pensarmos um pouco sobre a relação da criação com
o tempo e a eternidade.
Um equívoco a ser
afastado é o fato de se conceber o tempo como algo absoluto, fora da criação.
Isso é um erro. O tempo foi criado juntamente com a criação, ou seja, antes da
criação também não havia tempo. Por sua vez, a ideia de eternidade não se
confunde com a soma de todos os tempos existentes. O conceito de eternidade
está totalmente separado da ideia de tempo. Na eternidade não há passado,
presente ou futuro, antes ou depois, pois todas essas definições estão presas
ao tempo. A ideia de eternidade é difícil de ser compreendida pelos homens
exatamente porque está fora e acima do tempo.
“(...) Por mais que seja indefinidamente estendido, o tempo continua
sendo tempo e nunca se torna eternidade. Há uma diferença essencial entre os
dois. O mundo não pode ser concebido sem o tempo. A existência no tempo é a
forma necessária de tudo que é finito e criado. O predicado de eternidade nunca
pode, estritamente falando, ser atribuído a coisas que existem na forma do
tempo. Semelhantemente, a questão de se Deus não podia ter criado desde a
eternidade está baseada na identidade de eternidade e tempo. Na eternidade, não
há “antes” e “depois”. Deus criou eternamente o mundo, isto é, no momento em
que o mundo veio à existência, Deus era e continuou sendo o Eterno, e, como o
Eterno, criou o mundo. (...)”[5]
Deus é eterno, e
isso significa que Ele está acima, fora do tempo. Deus não está preso ao tempo,
pois foi Ele quem criou o tempo. Logo, é totalmente descabida a ideia do homem
de questionar o que Deus fazia antes de criar tudo o que existe. Tal pergunta
revela, em verdade, a falta de capacidade do homem de compreender a grandeza de
Deus, por um lado, e a arrogância do ser humano em querer limitar Deus à sua
própria capacidade de raciocínio, por outro.
4. CRIAÇÃO EX
NIHILO
A igreja cristã
sempre defendeu que Deus criou todas as coisas “do nada”, da não-existência
para a existência. Para criar o mundo, Deus não trabalhou com qualquer tipo de
matéria preexistente, mas Ele mesmo trouxe à existência tudo por meio da Sua
Palavra Criadora.
Essa doutrina foi
e continua sendo muito questionada por diversos estudiosos, sob os seguintes
argumentos: 1- as Escrituras não afirmam claramente que Deus criou todas as
coisas “do nada”; 2- Gênesis 1.2 pressupõe a existência de uma terra “sem forma
e vazia” no ato criador de Deus.
Esses argumentos
não se sustentam à luz da análise completa das Escrituras. Ao longo de toda a
Bíblia, Deus se apresenta como o Todo-Poderoso, detentor de toda a sabedoria e
cuja vontade é soberana. Ele é
infinitamente mais exaltado do que toda a criação, e tudo foi feito por meio
Dele, por Ele e para Ele. O Criador é eterno, infinito e suficiente, Ele é o
sustentador de toda a criação, que lhe dá glória continuamente.
Abençoou ele a Abrão, e
disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo; que possui os céus e a terra; Gn
14.19
Tema ao SENHOR toda a
terra, temam-no todos os habitantes do mundo. Pois ele falou, e tudo se fez;
ele ordenou, e tudo passou a existir. Sl 33.8-9
Também a minha mão fundou
a terra, e a minha destra estendeu os céus; quando eu os chamar eles se
apresentarão juntos. Is 48.13
Porque dele e por meio
dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.
Rm 11.36
Ele é antes de todas as
coisas. Nele tudo subsiste. 1Co 1.17
Tu és digno Senhor e Deus
nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu
criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas. Ap
4.11
O texto de Hebreus
11.3 é um dos mais esclarecedores quanto ao fato de Deus ter criado todas as
coisas unicamente pela Sua Palavra poderosa, sem a existência de material
preexistente.
Pela fé entendemos que
foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a
existir das coisas que não aparecem. Hb 11.3
“(...) Com essa revelação, a existência de uma “matéria sem forma” é
totalmente descartada. O mundo visível não procedeu daquilo que é visível, mas
repousa em Deus, que chamou todas as coisas à existência por sua palavra.
(...)”[6]
A doutrina da
criação “do nada” é importante por ensinar a absoluta soberania de Deus e a
absoluta dependência do homem. O homem está preso à matéria, é feito dela, mas
Deus é totalmente livre e independente. As criaturas foram criadas e dependem
do Criador, mas Ele não depende de nada nem de ninguém. Se existisse qualquer
coisa que não tivesse sido criada por Deus, essa coisa seria independente, e,
portanto, Deus não seria o Absoluto, Ele não seria Deus. Isso é inconcebível e
totalmente contrário ao ensino das Escrituras.
5. EXISTÊNCIA DISTINTA DE DEUS
Como visto, o mundo foi criado pela vontade soberana
de Deus, por Sua Palavra poderosa. Ao contrário do que afirmam os panteístas, o
mundo não é uma parte de Deus, Deus não se limita ao Universo criado por Ele
mesmo e tampouco depende ou necessita das coisas criadas. Deus é muito maior e
mais exaltado que a criação, Ele é transcendente, totalmente glorioso e opera
grandes maravilhas.
“(...)
Quer dizer que o mundo não é Deus, nem alguma parte de Deus, mas algo
absolutamente distinto de Deus; e que difere de Deus, não meramente em grau,
mas em suas propriedades essenciais. A doutrina da criação implica que,
enquanto Deus é auto existente e autossuficiente, infinito e eterno, o mundo é
dependente, finito e temporal. Um jamais poderá transformar-se no outro. (...)”[7]
Apesar de ser distinto de Deus, o mundo é
totalmente dependente Dele. Esse é o ensinamento constante nas Escrituras, o
que joga por terra a ideia deísta de que Deus criou o Universo e afastou-se
dele. Por ser imanente, Deus está presente em toda a criação e age
constantemente para cuidar de tudo o que foi criado. Deus está presente e é
plenamente ativo no cuidado da sua criação.
Para onde me ausentaria do teu Espírito? Para onde
fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais
profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos
confins dos mares: ainda lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me
susterá. Sl 139.7-10
um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age
por meio de todos e está em todos. Ef 4.6
6. FINALIDADE DA CRIAÇÃO
Outra questão
bastante debatida ao longo da história foi o motivo pelo qual Deus criou o
mundo. Qual o objetivo final da criação? De modo geral, os estudiosos
dividiram-se entre duas respostas. Para uns, a finalidade da criação é a
felicidade da humanidade; para outros, é a glória Deus.
Alguns dos mais
importantes filósofos da antiguidade, como Platão, Filo e Sêneca, afirmaram que
o mundo foi criado pela bondade de Deus. Sendo o Criador suficiente em si
mesmo, ele não tem necessidade de nada, o que os levou a acreditar que a
criação do Universo não teve o objetivo de satisfazer algo em Deus. Sendo o
homem a obra divina mais perfeita e complexa, a finalidade da criação só pode
ter sido a felicidade da humanidade.
Esse raciocínio
parece atrativo à primeira vista, entretanto, uma análise mais aprofundada
demonstra que ele é equivocado.
Deus demonstrou
amor e bondade na obra da criação, mas isso não significa que esses atributos
não existiam antes da criação. Como já vimos nas aulas anteriores, Deus Pai,
Deus Filho e Deus Espírito possuem desde a eternidade uma relação intensa e
perfeita, muito superior às relações existentes entre o Criador e as criaturas.
Por sua vez, a ausência de necessidades em Deus não o impede de agir conforme
sua suprema sabedoria e vontade soberana, e tampouco coloca a felicidade humana
como o objetivo final da criação.
A igreja cristã
defende que a finalidade da criação é a glória de Deus. Deus criou o Universo
para demonstrar sua glória e majestade. Isso não implica na existência de
alguma carência ou necessidade divina, pois Ele é perfeito. Deus não criou o
mundo por necessidade, mas por Sua vontade soberana e para a demonstração de
Sua glória.
“(...) Não significa que Deus receber glória da parte dos outros seja o
fim último. O recebimento de glória por meio de louvores prestados por suas
criaturas morais é um fim que está incluído no fim supremo, mas não constitui
em si mesmo esse fim. Deus não criou primeiramente para receber glória, mas
para tornar a sua glória saliente e manifesta. As gloriosas perfeições de Deus
são demonstradas em toda a sua criação; e esta demonstração não é para uma vã
mostra, para uma exibição para ser meramente admirada pelas criaturas, mas
vista também a promoção do seu bem-estar e da perfeita felicidade. (...)”[8]
Da mesma forma, é
incorreto afirmar que o plano de criação divino é egoísta. Deus não é egoísta,
pois não se preocupa exclusivamente consigo mesmo; muito ao contrário, desde o
início da criação Deus demonstra seu amor intenso e constante por tudo que
criou. Essa afirmação apenas comprova que o foco está apontado para o lado
errado, ou seja, ao invés de compreender a obra da criação com os olhos fitos
no Criador, muitas pessoas tentam fazê-lo com os olhos voltados para si mesmos.
Acusar Deus de egoísmo demonstra grave ingratidão e desrespeito.
Como dito, a
demonstração da majestade divina visa também o bem-estar das criaturas. O amor
de Deus para com a criação é tão grande que Ele preocupa-se em cuidar do
Universo. Além de criar, Deus bondosamente preserva o mundo. Essa ação divina
deve ser mais um motivo para a adoração sincera e constante por parte da
criação. Deus deve ser adorado por quem Ele é e pelo que Ele faz.
7. BIBLIOGRAFIA
BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: volume 1;
traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática;
traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã,
2012.
[1] CREDO APOSTÓLICO
[2] CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, Cap. IV, I.
[3] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada; traduzido por
Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 430.
[4] BAVINCK, Herman. Idem.,
p. 432.
[5] BAVINCK,
Herman. Idem., p. 437.
[6] BAVINCK, Herman. Idem.,
p. 427.
[7] BERKHOF, Louis. Teologia
Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo:
Cultura Cristã, 2012, p.125.
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