terça-feira, 11 de outubro de 2016

Teologia Sistemática 1 - aula 12 - Doutrina da Providência


TÓPICOS DA AULA
1. Definição
2. Preservação
3. Concorrência
4. Governo
5. Bibliografia


1. DEFINIÇÃO
Nesta última aula sobre Teologia Sistemática 1 aprenderemos um pouco sobre a Doutrina da Providência. Embora o termo “providência” não se encontre nas Escrituras Sagradas, seu significado pode ser facilmente notado em todas as suas páginas, por meio do relacionamento constante do Criador com sua criação.

“(...) Pode-se definir a providência como o permanente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as suas criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado fim. (...)”[1]


Essa definição aponta três palavras que expressam o relacionamento do Criador com a criação: preservação, concorrência e governo. Não são três formas distintas de relacionamento, pois elas estão intimamente interligadas, sendo que cada uma delas compõe a totalidade da relação de Deus com o mundo. Essas três palavras servem mais para efeitos didáticos, a fim de facilitar nossa compreensão quanto à forma como o Senhor cuida de tudo aquilo que criou.

“(...) Desde o início, a preservação também é governo, governo é concorrência e concorrência é criação. A preservação nos diz que nada existe, nem uma só substância, e também nem um só poder, nenhuma atividade, nenhuma ideia, a menos que exista totalmente a partir de Deus, por meio dele e para ele. A concorrência torna conhecida a nós a mesma preservação como uma atividade que, em vez de suspender a existência das criaturas, acima de tudo a assegura e sustenta. O governo descreve os outros dois aspectos como guiando todas as coisas de tal modo que o objetivo final determinado por Deus seja alcançado. E sempre, do começo ao fim, a providência é um poder simples, todo-poderoso e onipotente. (...)”[2]


As Escrituras estão repletas de textos que afirmam a soberania divina sobre toda a criação, seu interesse e seu cuidado constantes por ela.

Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. At 17.28

Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém. Rm 11.36

O SENHOR olha dos céus; vê todos os filhos dos homens; do lugar de sua morada observa todos os moradores da terra, ele que forma o coração de todos eles. Sl 33.13-15


2. PRESERVAÇÃO
A doutrina da preservação nos ensina que Deus é o único responsável pela manutenção da existência da criação. Tudo que existe somente permanece em existência pela obra constante do Criador. Se Deus não preservar alguma criatura, ela imediatamente deixará de existir. Apesar de ter sua existência distinta de Deus, no sentido de não ser o próprio Criador, a criação depende total e exclusivamente Dele para continuar a existir.

“(...) A preservação pode ser definida como a obra contínua de Deus pelo qual ele mantém as coisas que criou, juntamente com as propriedades e poderes de que as dotou. (...)”[3]


Neste ponto, cabe afastar um grave erro de interpretação dessa doutrina, qual seja, que a preservação não é meramente negativa, ou seja, ela não significa apenas que Deus não destrói aquilo que criou. Esse raciocínio, defendido pelos deístas, é irracional, pois implica que Deus criou algo que pode subsistir independentemente da Sua ação, algo “autossustentável”; se isso fosse verdade, Deus não seria soberano, e, portanto, não seria Deus; é irreligioso, porque afasta a criação do Criador, impossibilitando o relacionamento entre ambos; é antibíblico, porque nega o constante cuidado de Deus com tudo que Ele mesmo criou.

Seguem alguns textos bíblicos a respeito da preservação divina:

Só tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora. Ne 9.6

Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Mt 10.29-30

Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo de que te hei referido. Gn 28.15


A preservação decorre da soberania divina. Deus é soberano, e isso significa que Ele tem total poder sobre toda a criação. Tudo que existe depende do Criador para continuar existindo, não há nada nem ninguém em toda a criação totalmente livre ou independente, no sentido de não depender de Deus. Além disso, a vontade do Senhor é sempre efetuada, nada acontece independentemente do Seu querer.


3. CONCORRÊNCIA

“(...) Pode-se definir a concorrência como a cooperação do poder divino com todos os poderes subordinados, em harmonia com as leis pré-estabelecidas de sua operação, fazendo-os agir precisamente como agem. (...)”[4]


De imediato, podemos aprender duas verdades contidas neste conceito da concorrência divina:

a) As forças pré-estabelecidas, conhecidas como “forças da natureza”, não existem independentemente de Deus, mas foram criadas por Ele exatamente da forma como existem. Por semelhante modo, essas forças não atuam livremente, mas estão total e constantemente subordinadas à vontade divina. Elas foram criadas e atuam em conformidade com os propósitos do Criador.

b) Somente existe “concorrência” porque duas ou mais causam atuam conjuntamente, no caso, Deus e as criaturas. Isso nos leva a concluir que as criaturas também possuem certo poder de ação dentro do Universo, e é este o fundamento para defender sua responsabilização, positiva ou negativa, pelas consequências dos seus atos.

As Escrituras atestam essas afirmações:

Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós. Gn 45.5

Respondeu-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR? Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca, e te ensinarei o que hás de falar. Ex 4.11-12

Tu falarás tudo o que eu te ordenar; e Arão, teu irmão, falará a Faraó, para que deixe ir da sua terra os filhos de Israel. Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. Ex 7.2-3

Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina. Pv 21.1


A concorrência divina nos ensina que não há nenhum ato das criaturas totalmente independente de Deus. É o Criador quem capacita e energiza as criaturas a agirem. É Ele também quem acompanha as criaturas em suas ações, de forma que sempre atinjam seus propósitos santos, justos e bons.

E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos. 1Co 12.6

nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. Ef 1.11

porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fp 2.13


A grande objeção que sempre é colocada contra a doutrina da concorrência divina é que ela destrói a responsabilidade humana. Já enfrentamos essa questão quando tratamos da vontade e dos decretos divinos (Aula 08), pelo que cabe apenas relembrar os dois pontos principais que elucidam quaisquer dúvidas: 1- as Escrituras não veem contradição entre as duas questões; em que pese agirem motivados e capacitados por Deus, os homens são sempre responsabilizados por seus atos, quer sejam bons, quer sejam maus; 2- o conceito de liberdade humana é ilusório, pois a Queda afetou gravemente todas as faculdades do homem e tornou o homem escravo do pecado. Não foi a concorrência divina que retirou do homem sua “liberdade”, mas sim o pecado.

A concorrência divina também não torna Deus o autor do pecado, conforme brevemente exposto na Aula 08 e transcrito abaixo:

O decreto divino em relação ao pecado é costumeiramente denominado como permissivo, no sentido de que Deus tornou as ações do homem infalivelmente certas de acontecerem, sem agir de forma positiva no homem. O decreto torna certa a realização do ato pecaminoso, no qual Deus decidiu não impedir a determinação pecaminosa do homem e decidiu regular os efeitos dessa atitude humana. Deus criou o homem como um ser moral livre, e o homem utilizou-se dessa liberdade para pecar, sendo, portanto, o homem o único autor do pecado.

“(...) O problema da relação de Deus com o pecado continua sendo um mistério para nós, mistério este que não somos capazes de resolver. Pode-se dizer, porém, que o seu decreto de permitir o pecado, embora assegure a entrada do pecado no mundo, não significa que ele tem prazer nele; significa somente que ele considerou sábio, com o propósito da sua autorrevelação, permitir o mal moral, por mais detestável que seja a sua natureza. (...)”[5]

“(...) O concurso divino dinamiza o homem e o determina eficazmente ao ato específico, mas é o homem que dá ao ato a sua qualidade formal e que, portanto, é responsável por seu caráter pecaminoso. (...)”[6]


4. GOVERNO

“(...) Pode-se definir o governo divino como a contínua atividade de Deus pela qual ele rege todas as coisas teleologicamente a fim de garantir a realização do propósito divino. (...)”[7]


Essa doutrina revela Deus como o grande rei que governa o Universo conforme seus propósitos. Ao contrário das afirmações de alguns teólogos, Deus não deixou de ser o grande Rei do Antigo Testamento para tornar-se apenas o Pai amoroso do Novo Testamento. Ele sempre foi e continua sendo tanto Rei como Pai e deve ser servido e adorado desta forma por toda a criação.

Por aquele tempo exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Mt 11.25

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. At 17.24

Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém. 1Tm 1.17


O governo divino é universal, abrange todas as coisas, mesmo as mais insignificantes. Nada passa despercebido ou é desprezado por Deus. Todas as coisas ocorrem por sua vontade soberana e para alcançar seus objetivos, dos quais, o mais elevado, sem dúvida, é demonstrar sua gloriosa majestade às criaturas e conduzi-las à adoração sincera.

Deus é o rei de toda a terra, salmodiai com harmonioso cântico. Deus reina sobre as nações: Deus se assenta no seu santo trono. Os príncipes dos povos se reúnem, o povo do Deus de Abraão, porque a Deus pertencem os escudos da terra: ele se exaltou gloriosamente. Sl 47.7-9


5. BIBLIOGRAFIA

BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: volume 1; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.




[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p.154.
[2] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 617.
[3] BERKHOF, Louis. Idem., p.157
[4] BERKHOF, Louis. Idem., p.158
[5] BERKHOF, Louis. Idem., p. 102.
[6] BERKHOF, Louis. Idem., p. 161.
[7] BERKHOF, Louis. Idem., p. 161.

Teologia Sistemática 1 - aula 11 - Doutrina da criação


TÓPICOS DA AULA
1. Definição
2. Ato da Trindade
3. Ato temporal
4. Criação ex nihilo
5. Existência distinta de Deus
6. Finalidade da criação
7. Bibliografia


1. DEFINIÇÃO
Após estudarmos os decretos de Deus de uma ótica mais teórica, passaremos a analisar o aspecto prático, ou seja, como o Criador executou sua vontade, que teve início com a obra da criação.

O primeiro texto das Escrituras cuidou de apresentar Deus como o Criador dos céus e da terra.

No princípio, criou Deus os céus e a terra. Gn 1.1


Essa verdade é expressa desde o início da igreja cristã, e é a primeira afirmação contida no Credo Apostólico:

“(...) Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da terra. (...)”[1]


A Confissão de Fé de Westminster define a obra da criação da seguinte forma:

“(...) No princípio, aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para manifestação da glória de seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visível ou invisível. (...)”[2]


2. ATO DA TRINDADE
As Escrituras afirmam que a criação não foi um ato exclusivo de Deus Pai, mas sim um ato da Trindade. Deus criou todas as coisas por meio do Filho e por meio do Espírito Santo.

“(...) Nesse contexto, o Filho e o Espírito não são vistos como forças secundárias, mas como agentes ou “princípios” (principia) independentes, como autores (auctores) que, como o Pai, realizaram a obra da criação e que, com ele, também constituem o único Deus verdadeiro. (...)”[3]

Vejamos alguns textos bíblicos que expressam essa verdade:

Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Jo 1.3

Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu, ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também por ele. 1Co 8.5-6

Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade na alturas, Hb 1.3

A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Gn 1.3

O Espírito de Deus me fez; e o sopro do Todo-poderoso me dá vida. Jó 33.4

Envias o teu Espírito, eles são criados, e assim renovas a face da terra. Sl 104.30


A obra da criação foi inteiramente efetuada pela Trindade, o que demonstra sua unidade; por outro lado, cada Pessoa da Trindade exerce uma função ou tarefa nessa obra: a iniciativa procede do Pai, todas as coisas são criadas pelo Filho e o Espírito é quem dá e mantém a vida a tudo que existe.

“(...) Todas as coisas se originam simultaneamente do Pai por meio do Filho e do Espírito. O Pai é a causa primária: a iniciativa para a criação procede dele. Logo, em um sentido administrativo, a criação é especificamente atribuída a ele. O Filho não é um instrumento, mas a sabedoria pessoal, o Logos, por meio de quem tudo é criado: tudo subsiste nele (Cl 1.17) e é criado para ele (Cl 1.16) não como seu objetivo final, mas como cabeça e mestre de todas as criaturas (Ef 1.10). E o Espírito Santo é a causa pessoal imanente pela qual todas as coisas vivem, se movem e têm seu ser, recebem sua própria forma e configuração e são levadas ao seu destino, em Deus. (...)”[4]


3. ATO TEMPORAL
Uma questão que sempre intrigou muitas pessoas é a relação entre a criação e o tempo. Os seres humanos têm facilidade em perceber o início de tudo que existe. Todas as coisas tiveram início em algum momento do tempo. Entretanto, o que existia antes do momento em que Deus criou o mundo? O que Deus fazia antes disso? Se Deus é imutável, como Ele passou de um período de inatividade para um período de atividade?

Para responder essas perguntas, é necessário pensarmos um pouco sobre a relação da criação com o tempo e a eternidade.

Um equívoco a ser afastado é o fato de se conceber o tempo como algo absoluto, fora da criação. Isso é um erro. O tempo foi criado juntamente com a criação, ou seja, antes da criação também não havia tempo. Por sua vez, a ideia de eternidade não se confunde com a soma de todos os tempos existentes. O conceito de eternidade está totalmente separado da ideia de tempo. Na eternidade não há passado, presente ou futuro, antes ou depois, pois todas essas definições estão presas ao tempo. A ideia de eternidade é difícil de ser compreendida pelos homens exatamente porque está fora e acima do tempo.

“(...) Por mais que seja indefinidamente estendido, o tempo continua sendo tempo e nunca se torna eternidade. Há uma diferença essencial entre os dois. O mundo não pode ser concebido sem o tempo. A existência no tempo é a forma necessária de tudo que é finito e criado. O predicado de eternidade nunca pode, estritamente falando, ser atribuído a coisas que existem na forma do tempo. Semelhantemente, a questão de se Deus não podia ter criado desde a eternidade está baseada na identidade de eternidade e tempo. Na eternidade, não há “antes” e “depois”. Deus criou eternamente o mundo, isto é, no momento em que o mundo veio à existência, Deus era e continuou sendo o Eterno, e, como o Eterno, criou o mundo. (...)”[5]


Deus é eterno, e isso significa que Ele está acima, fora do tempo. Deus não está preso ao tempo, pois foi Ele quem criou o tempo. Logo, é totalmente descabida a ideia do homem de questionar o que Deus fazia antes de criar tudo o que existe. Tal pergunta revela, em verdade, a falta de capacidade do homem de compreender a grandeza de Deus, por um lado, e a arrogância do ser humano em querer limitar Deus à sua própria capacidade de raciocínio, por outro.


4. CRIAÇÃO EX NIHILO
A igreja cristã sempre defendeu que Deus criou todas as coisas “do nada”, da não-existência para a existência. Para criar o mundo, Deus não trabalhou com qualquer tipo de matéria preexistente, mas Ele mesmo trouxe à existência tudo por meio da Sua Palavra Criadora.

Essa doutrina foi e continua sendo muito questionada por diversos estudiosos, sob os seguintes argumentos: 1- as Escrituras não afirmam claramente que Deus criou todas as coisas “do nada”; 2- Gênesis 1.2 pressupõe a existência de uma terra “sem forma e vazia” no ato criador de Deus.

Esses argumentos não se sustentam à luz da análise completa das Escrituras. Ao longo de toda a Bíblia, Deus se apresenta como o Todo-Poderoso, detentor de toda a sabedoria e cuja vontade é soberana.  Ele é infinitamente mais exaltado do que toda a criação, e tudo foi feito por meio Dele, por Ele e para Ele. O Criador é eterno, infinito e suficiente, Ele é o sustentador de toda a criação, que lhe dá glória continuamente.

Abençoou ele a Abrão, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo; que possui os céus e a terra; Gn 14.19

Tema ao SENHOR toda a terra, temam-no todos os habitantes do mundo. Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir. Sl 33.8-9

Também a minha mão fundou a terra, e a minha destra estendeu os céus; quando eu os chamar eles se apresentarão juntos. Is 48.13

Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém. Rm 11.36

Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste. 1Co 1.17

Tu és digno Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas. Ap 4.11


O texto de Hebreus 11.3 é um dos mais esclarecedores quanto ao fato de Deus ter criado todas as coisas unicamente pela Sua Palavra poderosa, sem a existência de material preexistente.

Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. Hb 11.3

“(...) Com essa revelação, a existência de uma “matéria sem forma” é totalmente descartada. O mundo visível não procedeu daquilo que é visível, mas repousa em Deus, que chamou todas as coisas à existência por sua palavra. (...)”[6]


A doutrina da criação “do nada” é importante por ensinar a absoluta soberania de Deus e a absoluta dependência do homem. O homem está preso à matéria, é feito dela, mas Deus é totalmente livre e independente. As criaturas foram criadas e dependem do Criador, mas Ele não depende de nada nem de ninguém. Se existisse qualquer coisa que não tivesse sido criada por Deus, essa coisa seria independente, e, portanto, Deus não seria o Absoluto, Ele não seria Deus. Isso é inconcebível e totalmente contrário ao ensino das Escrituras.


5. EXISTÊNCIA DISTINTA DE DEUS
Como visto, o mundo foi criado pela vontade soberana de Deus, por Sua Palavra poderosa. Ao contrário do que afirmam os panteístas, o mundo não é uma parte de Deus, Deus não se limita ao Universo criado por Ele mesmo e tampouco depende ou necessita das coisas criadas. Deus é muito maior e mais exaltado que a criação, Ele é transcendente, totalmente glorioso e opera grandes maravilhas.

“(...) Quer dizer que o mundo não é Deus, nem alguma parte de Deus, mas algo absolutamente distinto de Deus; e que difere de Deus, não meramente em grau, mas em suas propriedades essenciais. A doutrina da criação implica que, enquanto Deus é auto existente e autossuficiente, infinito e eterno, o mundo é dependente, finito e temporal. Um jamais poderá transformar-se no outro. (...)”[7]


Apesar de ser distinto de Deus, o mundo é totalmente dependente Dele. Esse é o ensinamento constante nas Escrituras, o que joga por terra a ideia deísta de que Deus criou o Universo e afastou-se dele. Por ser imanente, Deus está presente em toda a criação e age constantemente para cuidar de tudo o que foi criado. Deus está presente e é plenamente ativo no cuidado da sua criação.

Para onde me ausentaria do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares: ainda lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me susterá. Sl 139.7-10

um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. Ef 4.6


6. FINALIDADE DA CRIAÇÃO
Outra questão bastante debatida ao longo da história foi o motivo pelo qual Deus criou o mundo. Qual o objetivo final da criação? De modo geral, os estudiosos dividiram-se entre duas respostas. Para uns, a finalidade da criação é a felicidade da humanidade; para outros, é a glória Deus.

Alguns dos mais importantes filósofos da antiguidade, como Platão, Filo e Sêneca, afirmaram que o mundo foi criado pela bondade de Deus. Sendo o Criador suficiente em si mesmo, ele não tem necessidade de nada, o que os levou a acreditar que a criação do Universo não teve o objetivo de satisfazer algo em Deus. Sendo o homem a obra divina mais perfeita e complexa, a finalidade da criação só pode ter sido a felicidade da humanidade.

Esse raciocínio parece atrativo à primeira vista, entretanto, uma análise mais aprofundada demonstra que ele é equivocado.

Deus demonstrou amor e bondade na obra da criação, mas isso não significa que esses atributos não existiam antes da criação. Como já vimos nas aulas anteriores, Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito possuem desde a eternidade uma relação intensa e perfeita, muito superior às relações existentes entre o Criador e as criaturas. Por sua vez, a ausência de necessidades em Deus não o impede de agir conforme sua suprema sabedoria e vontade soberana, e tampouco coloca a felicidade humana como o objetivo final da criação.

A igreja cristã defende que a finalidade da criação é a glória de Deus. Deus criou o Universo para demonstrar sua glória e majestade. Isso não implica na existência de alguma carência ou necessidade divina, pois Ele é perfeito. Deus não criou o mundo por necessidade, mas por Sua vontade soberana e para a demonstração de Sua glória.

“(...) Não significa que Deus receber glória da parte dos outros seja o fim último. O recebimento de glória por meio de louvores prestados por suas criaturas morais é um fim que está incluído no fim supremo, mas não constitui em si mesmo esse fim. Deus não criou primeiramente para receber glória, mas para tornar a sua glória saliente e manifesta. As gloriosas perfeições de Deus são demonstradas em toda a sua criação; e esta demonstração não é para uma vã mostra, para uma exibição para ser meramente admirada pelas criaturas, mas vista também a promoção do seu bem-estar e da perfeita felicidade. (...)”[8]


Da mesma forma, é incorreto afirmar que o plano de criação divino é egoísta. Deus não é egoísta, pois não se preocupa exclusivamente consigo mesmo; muito ao contrário, desde o início da criação Deus demonstra seu amor intenso e constante por tudo que criou. Essa afirmação apenas comprova que o foco está apontado para o lado errado, ou seja, ao invés de compreender a obra da criação com os olhos fitos no Criador, muitas pessoas tentam fazê-lo com os olhos voltados para si mesmos. Acusar Deus de egoísmo demonstra grave ingratidão e desrespeito.

Como dito, a demonstração da majestade divina visa também o bem-estar das criaturas. O amor de Deus para com a criação é tão grande que Ele preocupa-se em cuidar do Universo. Além de criar, Deus bondosamente preserva o mundo. Essa ação divina deve ser mais um motivo para a adoração sincera e constante por parte da criação. Deus deve ser adorado por quem Ele é e pelo que Ele faz.


7. BIBLIOGRAFIA

BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: volume 1; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.



[1] CREDO APOSTÓLICO
[2] CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, Cap. IV, I.
[3] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 430.
[4] BAVINCK, Herman. Idem., p. 432.
[5] BAVINCK, Herman. Idem., p. 437.
[6] BAVINCK, Herman. Idem., p. 427.
[7] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p.125.
[8] BERKHOF, Louis. Idem., p.127.