COMO COMPREENDER MELQUISEDEQUE
SALMO 110
Para podermos
compreender corretamente o Salmo 110, precisamos começar pela análise de sua
autoria. Quem escreveu este salmo?
O próprio Salmo
110 contém uma epígrafe na qual consta: “Salmo de Davi”. A autenticidade dessa
informação é confirmada pelo Senhor Jesus em um dos seus diálogos com os
fariseus:
Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor,
dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu
ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor,
como é ele seu filho? Mt 22.43-45
Logo, tanto o
Antigo como o Novo Testamentos confirmam Davi como o autor do Salmo 110.
Do que trata o
Salmo 110?
Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu
ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés. Sl 110.1
A primeira
expressão do Salmo indica que o SENHOR está falando com o Senhor. Quem são
esses dois “Senhores”?
- SENHOR: o Deus
de Israel (Yahweh);
- Senhor: conforme
dito por Jesus, se Davi está chamando alguém de Senhor, significa que essa
pessoa é mais importante que Davi, é superior a ele.
Davi foi o grande
rei de Israel, não houve outro mais importante que ele. Portanto, ao chamar
alguém de Senhor, além do Deus de Israel, ele só poderia estar se referindo ao
Messias prometido em Gênesis 3.15, aquele que esmagaria a cabeça da serpente. O
Salmo 110.1 apresenta afirmações feitas pelo Deus de Israel ao seu próprio
Filho, Jesus Cristo.
O significado da
expressão “assenta-te à minha direita” nos ajuda a entender a exaltação de
Cristo de várias maneiras:
- Ele é maior que
Davi (At 2.34);
- Ele é maior que
os anjos (Hb 1.13);
- Ele está
exaltado ao lado de Deus (At 5.31);
- Ele intercede em
nosso favor (Rm 8.34);
- Seu sacrifício
foi completo (Hb 10.11-12);
- Ele aguarda a
derrota final dos seus inimigos (Hb 10.12-13).
Os versículos 2 e
3 do Salmo 110 apresentam maiores detalhes a respeito da de como o Deus de
Israel cumprirá a promessa feita no versículo 1.
O SENHOR jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedeque. Sl 110.4
O versículo 4
parece não ter conexão com os versículos anteriores. Davi estava narrando a
promessa de vitória dada por Deus Pai ao Filho, e, de repente, diz que esse
Messias também será um sacerdote.
Além de parecer
fora de lugar, esse versículo apresenta um problema: a lei de Moisés proibia
que o rei fosse também sacerdote; Saul foi duramente punido por Deus exatamente
após ter oferecido o sacrifício em lugar de Samuel (1 Sm 13.8-14).
Por fim, que é
Melquisedeque? Por que ele é citado nesse salmo?
Para aumentar a
dúvida, verificamos que os versículos 5 a 7 do Salmo 110 não nos ajudam a
compreender o versículo 4, pois eles retomam o tema anterior, da vitória de
Cristo sobre seus inimigos.
Em que Davi
estava pensando ao escrever o Salmo 110?
A Bíblia de
Estudo de Genebra sugere que este salmo foi escrito como um cântico da coroação
de Davi após a conquista de Jerusalém (2 Sm 5.1-5). Era um momento de extrema
felicidade em Israel, o reconhecimento de Davi como o rei escolhido por Deus
para o seu povo.
Don Carson
acredita que o Salmo 110 tenha sido escrito em um momento de estudo e meditação
da lei de Moisés feito por Davi, o que era um obrigação do rei, conforme Dt
17.18-20.
Se somarmos as
duas informações, concluiremos que o Salmo 110 deve ter sido escrito em um
momento de alegria e de grande responsabilidade de Davi para com o povo, como o
novo rei de Israel, e em um momento de estudo e meditação da lei de Moisés.
A fim de
possibilitar nossa compreensão do Salmo 110.4, vamos retornar ao primeiro
relato bíblico sobre Melquisedeque.
Gênesis 14 nos
conta sobre uma guerra de quatro reis dos povos antigos contra outros cinco
reis. A aliança dos quatro reis derrotou a aliança dos cinco reis e levou
cativas muitas pessoas de Sodoma e Gomorra, entre elas Ló, o sobrinho de Abrão.
Ao saber disso,
Abrão reuniu seus homens, lutou contra aqueles reis, libertou os cativos e
retomou todos os bens que haviam sido levados. Os versículos 17-24 narram o
retorno de Abrão, após essa grandiosa vitória.
Após voltar Abrão de ferir a Quedorlaomer e
aos reis que estavam com ele, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma no vale de
Savé, que é o vale do Rei. Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era
sacerdote do Deus Altíssimo; abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja Abrão
pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra; e bendito seja o Deus
Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu
Abrão o dízimo. Então, disse o rei de Sodoma a Abrão: Dá-me as pessoas, e os
bens ficarão contigo. Mas Abrão lhe respondeu: Levanto a mão ao SENHOR, o Deus
Altíssimo, o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o
que te pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas:
Eu enriqueci a Abrão; nada quero para mim, senão o que os rapazes comeram e a
parte que toca aos homens Aner, Escol e Manre, que foram comigo; estes que
tomem o seu quinhão. Gn 14.17-24
Vamos observar
algo: se retirarmos os versículos 18-20, parece que eles não fazem falta no
relato da história. O versículo 17 narra que o rei de Sodoma foi ao encontro de
Abrão, e os versículos 21-24 apresentam o diálogo de Abrão com esse rei.
Qual a
importância de Gn 14.18-20?
“(...) O que
devemos concluir a partir disso? Pelo contexto imediato, Melquisedeque forma um
contraste com Sodoma. Abrão não quer ter nada com Sodoma; não quer nada do rei
de Sodoma e também não quer lhe dar nada. Existe uma relação de frieza entre
Abrão e Sodoma. Sodoma representa a maldade do vale. Mas Melquisedeque é um
homem de outra ordem. Seu próprio nome tem um significado importante (como
tantas vezes ocorre com os nomes do Antigo Testamento). Significa,
literalmente, “rei de justiça”. (...)”
CARSON, D.A. As
Escrituras dão testemunho de mim: Jesus e o evangelho no Antigo Testamento;
tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 189.
Melquisedeque era
o rei de Salém, que, provavelmente, era Jerusalém.
Conhecido é Deus em Judá; grande, o seu nome em Israel. Em Salém, está
o teu tabernáculo, e, em Sião, a sua morada. Sl 76.1-2
Salém significa
“paz”. Melquisedeque era “rei de justiça” e era o rei de uma cidade chamada
“paz”.
Ele levou pão e
vinho, o que significava alimento para aqueles homens famintos e cansados que
retornavam da guerra.
Ele era
“sacerdote do Deus altíssimo”. Essa é a primeira referência a sacerdotes na
Bíblia. O “Deus altíssimo” é o Deus adorado por Abrão, e que mais tarde viria a
ser o Deus de Israel.
Melquisedeque
abençoou a Abrão e glorificou a Deus por sua Soberania e por ter concedido a
vitória a Abrão naquela guerra.
Abrão lhe deu o
dízimo, o que significa que reconheceu-o como legítimo sacerdote do Deus
altíssimo.
Uma questão
adicional é que o texto não apresenta a genealogia de Melquisedeque, como faz
com todas as pessoas importantes dos povos antigos. Se Abrão, homem importante
e rico de sua época e que andava com Deus, reconheceu Melquisedeque como seu
superior, por que o texto não nos fornece maiores informações sobre ele?
DUAS INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS
Na história da
Igreja os estudiosos apresentaram duas interpretações para a figura de
Melquisedeque:
A primeira delas
é que Melquisedeque é uma visitação pré-encarnada de Jesus Cristo, ou seja,
antes de nascer de Maria e se tornar homem perfeito, Jesus apareceu a Abrão em
forma corpórea.
A maioria dos
estudiosos bíblicos entende que essa interpretação não é a mais adequada. O
primeiro motivo é que Melquisedeque não usa o nome de Deus (Yahweh), o que
seria necessário caso estivesse se tratando do próprio Deus encarnado.
O Salmo 110.4 diz
que o Senhor (o Messias) é sacerdote “segundo a ordem” de Melquisedeque. Se o
texto apontasse para o próprio Cristo, por que não disse que Ele “era”
Melquisedeque?
Gênesis 14.18
apresenta Melquisedeque como alguém que possui uma reconhecida posição
política, ele era rei de uma localidade existente no mundo antigo.
Por esses
argumentos, os estudiosos entendem que a melhor interpretação para a figura de
Melquisedeque é que ele é um modelo, alguém que aponta para Cristo.
SACERDOTE E REI
Como dito antes,
Davi sabia que o rei de Israel não poderia ser sacerdote, e que um sacerdote da
linhagem de Levi não poderia ser rei em Israel. Contudo, Gênesis 14.18-20
relata um rei que também era sacerdote. Davi, em suas meditações, cogita sobre
a possibilidade de existir um rei que também era sacerdote, mas não pela ordem
de Levi, e sim pela ordem de Melquisedeque. É Exatamente esse rei-sacerdote que
o Salmo 110 anuncia.
HEBREUS 7
Outro texto que
fala sobre Melquisedeque é Hebreu 7. O versículo 3 relata que ele foi feito
“semelhante” ao Filho de Deus, e não que ele “é” o Filho de Deus, o que reforça
a ideia de que ele não era o Cristo pré-encarnado, mas sim um modelo que
apontava para Cristo.
O texto de Hebreu
7.4-10 ressalta a superioridade de Melquisedeque em relação a Abraão, o que,
conforme consta em Gênesis 14.18-20, foi reconhecido pelo próprio Abraão, que
lhe pagou dízimos. Hb 7.9-10 conclui que, se Abraão pagou dízimos a
Melquisedeque, então Levi também o fez, na medida em que Levi é descendente de
Abraão, o que nos leva a concluir que Melquisedeque também é superior a Levi.
Sendo assim, o
sacerdócio de Melquisedeque é superior ao sacerdócio de Levi.
Tal afirmação é
confirmada em Hebreus 7.11-19. Tanto o sacerdócio levítico como a lei de Moisés
não eram suficientes, não eram perfeitos.
Se, portanto, a perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico
(pois nele baseado o povo recebeu a lei), que necessidade haveria ainda de que
se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não
fosse contato segundo a ordem de Arão? Hb 7.11
Ao escrever o
Salmo 110, Davi está anunciando, cerca de mil anos antes da vinda de Jesus, que
o sacerdócio de Levi não era suficiente, que o povo precisava de um sacerdote
de outra ordem, um sacerdote superior, um sacerdote da ordem de Melquisedeque.
Ao anunciar que o
sacerdócio de Levi não era suficiente, tanto Davi quanto o escritor de Hebreus
decretaram que a lei de Moisés também não era suficiente, pois o sacerdócio foi
instituído pela lei. Se o sacerdócio não é suficiente, então a lei que o
instituiu também não é.
Vejamos a
sequência dos fatos:
1- Abraão se
encontrou com Melquisedeque. Isso aconteceu antes de Deus dar a lei ao povo.
Melquisedeque é rei e sacerdote.
2- Mais de
quinhentos anos depois, a lei de Moisés, dada por Deus, proibiu a mesma de ser
rei e sacerdote.
3- Séculos depois,
Davi anunciou um sacerdote-rei segundo a ordem de Melquisedeque. Assim, Davi
tornou a lei ultrapassada. Seria necessária uma nova aliança que fosse superior
à lei de Moisés.
4- O autos de
Hebreus confirma que agora temos um sacerdote-rei segundo a ordem de
Melquisedeque. Isso confirma que a lei de Moisés foi revogada por um aliança
superior.
Hebreu 7.20-22
afirma que Cristo se tornou sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, pelo
juramento do próprio Deus Pai.
O sacerdócio de
Levi, estabelecido pela lei de Moisés, foi substituído pelo sacerdócio de
Cristo, segundo a ordem de Melquisedeque, pelo juramento do próprio Deus Pai.
Jesus Cristo é o fiador de uma aliança muito superior à aliança de Deus com
Moisés.
CONCLUSÃO
Cristo é o
Messias anunciado por Davi no Salmo 110.1, a quem o Deus de Israel prometeu dar
a vitória final, após a vitória sobre todos os inimigos.
Além disso, o
Salmo 110.4 apresenta Cristo como o sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque,
conforme promessa feita por Deus Pai.
Cristo é rei e
sacerdote.
Cristo é o rei
que governa toda a criação, incluindo nossas vidas, que derrota seus inimigos e
faz prevalecer toda a Sua vontade. Mas Cristo também é o sacerdote segundo a
ordem de Melquisedeque, o sumo-sacedote que oferece o sacrifício perfeito em
nosso favor.
E que sacrifício
é esse? Ai está a maravilha de tudo! O grande sumo-sacerdote é também o
Cordeiro oferecido em nosso favor.
E Cristo também é
o templo, o local onde os homens se encontram com Deus. E também é o véu, que
foi inteiramente rasgado para possibilitar o livre acesso ao Pai.
Cristo é nosso
Rei, o soberano Senhor de tudo e todos, e também é nosso sacerdote segundo a
ordem de Melquisedeque, o Cordeiro, o templo e o véu. Ele nos governa e intercede
incessantemente por nós, a fim de possibilitar-nos nova vida e a certeza da
chegada à Jerusalém celestial, onde estaremos com Ele pelos séculos dos
séculos.
“(...) Ó Senhor
Deus, não queremos que a leitura do Antigo Testamento seja somente um exercício
intelectual; mas queremos compreender o que diz a tua Palavra para que possamos
nos aproximar confiantes de Cristo Jesus, nosso Rei amado, nosso Sacerdote,
aquele que por nós se tornou tudo de que precisamos, para que nele possamos ter
plena confiança. Abre nossos olhos para que vejamos; para que, vendo, creiamos;
e para que, crendo, obedeçamos. Em nome de Jesus. Amém. (...)”
CARSON, D.A. As
Escrituras dão testemunho de mim: Jesus e o evangelho no Antigo Testamento;
tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 203.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA DE ESTUDO
DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª
edição, 2009. 1920p.
CARSON, D.A. As
Escrituras dão testemunho de mim: Jesus e o evangelho no Antigo Testamento;
tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Vida Nova, 2015. 224 p.
Nenhum comentário:
Postar um comentário