quarta-feira, 22 de julho de 2015

O novo nascimento - Nicodemos e Jesus


- Introdução
- A importância político-religiosa de Nicodemos (v.1)
- O momento do encontro com Jesus (v.2)
- O conceito de Nicodemos sobre Jesus – convicção humana (v.2)
- Conceitos equivocados sobre quem é Deus
- A resposta de Jesus e a necessidade do novo nascimento (v.3)
- Conceitos equivocados sobre o novo nascimento
- A réplica de Nicodemos – ironia (v.4)
- A explicação ampliada por Jesus (vs.5-8)
- A convicção humana destruída – a dúvida de Nicodemos (v.9)
- Jesus se apresenta como o Deus encarnado e Salvador (vs.10-14)
- Conclusão
- Referências bibliográficas



INTRODUÇÃO


Definir o Ser de Deus sempre foi um objetivo dos homens. Desde o início da criação o ser humano sempre tentou compreender o Ser e as obras de Deus de acordo com sua própria inteligência e capacidade de raciocínio.

Contudo, as Escrituras Sagradas são claras ao afirmarem que o pecado provocou separação entre o Criador e a criatura, e afetou drasticamente todas as áreas do homem, corpo e alma, mente e coração. Desde então, o homem não é capaz de compreender Deus, muito menos de defini-lo e de relacionar-se com Ele da forma que O agrada.

Nicodemos não compreendia tais verdades, e sua conversa com Jesus foi determinante para a transformação operada por Deus em sua vida, o novo nascimento que somente o Deus Salvador pode nos dar, o ponto de partida para a nova vida vivida em Cristo e para Cristo.



A IMPORTÂNCIA POLÍTICO-RELIGIOSA DE NICODEMOS (v.1)

Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus. Jo 3.1


O texto bíblico nos apresenta um homem chamado Nicodemos, que era fariseu e um dos principais dos judeus.

Os fariseus eram uma ala conservadora do judaísmo, muito respeitada na comunidade por seu grande conhecimento da lei e por sua disciplina rígida e prática de boas obras. A palavra “fariseu” significa “separado ou afastado”.

Nicodemos era “um dos principais dos judeus”, o que nos leva a crer que ele fazia parte do Sinédrio, grupo de 70 ou 72 homens que governavam o país em sujeição ao domínio romano. Logo, ele fazia parte tanto da elite religiosa como política do seu povo, sendo que o próprio Jesus o chamou de “mestre em Israel” (Jo 3.10).



O MOMENTO DO ENCONTRO COM JESUS (v.2)

Este, de noite, foi ter com Jesus (...). Jo 3.2a


Por que o escritor bíblico enfatiza que o encontro ocorreu à noite?

Muitos pensam que esse encontro ocorreu à noite porque ele tinha medo ou vergonha de ser visto conversando com Jesus, já que Nicodemos era um doutor da lei, grandemente respeitado por sua sabedoria, e Jesus era tido apenas como um pregador “estranho” (da Galileia) ainda pouco conhecido.

Porém, essa não parece ser a melhor interpretação para a passagem.

Se observarmos o Evangelho de João, veremos que o autor gosta de utilizar o contraste entre luz e trevas, dia e noite.

Ele [Judas], tendo recebido o bocado, saiu logo. E era noite. Jo 13.30


Neste texto, está claro que a ênfase dada ao período cronológico do tempo foi feita para caracterizar, também, o estado espiritual de trevas de Judas Iscariotes. Seguem outros textos que demonstram esse contraste:

É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Jo 9.4

Respondeu Jesus: Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. Jo 11.9-10


Logo, parece que o mesmo vale para o texto de Jo 3.2, ou seja, “de noite” aponta para o estado espiritual de confusão de Nicodemos ao visitar Jesus, e não para justificar eventuais preocupações sociais dele.



 O CONCEITO DE NICODEMOS SOBRE JESUS – CONVICÇÃO HUMANA (V.2)

(...) Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele. A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Jo 3.2-3


Um olhar apressado sobre esse versículo pode nos levar a concluir que Nicodemos foi gentil e respeitoso ao chamar Jesus de mestre e reconhecê-lo como alguém que fazia milagres vindos do próprio Deus.

Não parece uma boa definição de Jesus?

Por outro lado, a resposta de Jesus parece dura e desconexa. Parece que Nicodemos falou de um assunto e Jesus respondeu sobre outro.

Como entender esse diálogo?

(...) Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus


Nicodemos começou seu diálogo dizendo: “(nós) sabemos”. Não há qualquer indício no texto bíblico que Nicodemos estivesse acompanhado, logo, por que ele disse “sabemos”?

“É quase impossível evitar a conclusão de que, em todo o respeito formal que Nicodemos mostrou para com Jesus, há um pequeno elemento de autoimportância: “Rabi, nós o temos examinado e observamos que você não é um mestre religioso ordinário. Há inúmeros charlatães por aí, os quais declaram que fazem milagres, mas são fraudulentos, passageiros ou irracionais. Mas observamos o tipo de coisa que você faz e não podemos negar que isso é miraculoso. A única explicação é que isso é de Deus. Por isso, chegamos à conclusão de que você é um mestre vindo da parte de Deus”. Este parece ser o significado das palavras de Nicodemos.”
Donald A. Carson, O Deus Presente – Encontrando seu lugar no plano de Deus; traduzido por Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Editora Fiel. 2012. p. 177


O elogio formal feito por Nicodemos demonstra um leve sentimento de superioridade dele para com Jesus. Nicodemos se via como o doutor da lei (juntamente com seus pares fariseus), capaz de avaliar as obras e o próprio caráter dos profetas para “decidir” quem vinha da parte de Deus e quem era impostor.



CONCEITOS EQUIVOCADOS SOBRE QUEM É DEUS


Tal qual Nicodemos, muitas pessoas pensam conhecer Deus apenas porque veem alguns de Seus atributos e obras ao longo da vida. Outros pensam conhecê-lo porque alegam ter passado por “experiências místicas”, nas quais foram tomadas por sensações “indescritíveis” advindas de um estado superior e momentâneo de religiosidade.

Tais situações, em geral, levam tais pessoas a descreverem Deus de três formas.

1- O avô supermanso
Deus é um cavaleiro benevolente, que tem uma barba longa e esvoaçante, cuja tarefa primordial é ser bom. É como um avô de suspensórios sentado na praça e distribuindo balinhas para as crianças. “Deus é bom. Ele certamente perdoará.”

2- O Deus distante
Deus é muito grande, muito maior do que tudo que existe. Ele é tão grande que não tem tempo para se preocupar com sua criação. Deus criou o universo, o colocou para funcionar como um grande relógio e virou as costas para ele.

3- O Deus carente
Se você precisa de alguma bênção, basta agradar a Deus que ele te recompensará. É o modelo de “troca de favores”. Eu vou à Igreja duas vezes por semana e Deus me dá um bom emprego. Eu oro uma vez por dia e Deus me dá saúde. Eu leio a Bíblia quando preciso, Deus fica feliz e me dá algum “presentinho” em troca.

Extraído e adaptado de: Donald A. Carson, O Deus Presente – Encontrando seu lugar no plano de Deus; traduzido por Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Editora Fiel. 2012. p. 61-65 



A RESPOSTA DE JESUS E A NECESSIDADE DO NOVO NASCIMENTO (V.3)


Não é possível ter certeza sobre qual “tipo” de Deus Nicodemos tinha em mente, mas a resposta de Jesus nos deixa claro que não era o verdadeiro Deus de Israel, o “EU SOU” de Ex 3.14.

Ciente do que se passava na mente e no coração de Nicodemos, Jesus destrói a convicção humana dele com uma resposta curta, mas firme e direta.

“(...) Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (...)”

Os homens podem ver os milagres, os sinais, mas certamente não podem ver o reino de Deus se não nascerem de novo. Jesus deixa claro que ninguém pode compreender Sua obra redentora se não for transformado pela graça de Deus.



CONCEITOS EQUIVOCADOS SOBRE O NOVO NASCIMENTO


Ter uma noção equivocada sobre Deus inevitavelmente nos levará a buscar um relacionamento com Ele da forma e pelos motivos errados.

Muitos pensam e vivem como se o “novo nascimento” fosse apenas um compromisso formal assumido em alguma Igreja, uma nova religião disponível, ou talvez algumas práticas moralmente positivas que são praticadas e outras negativas que são evitadas. Para agradar a Deus, basta abandonar algumas coisas e se apegar a outras que estará tudo em ordem.

Mas não é isso que as Escrituras Sagradas nos dizem.

“Em contraste, o pensamento dos escritores do Novo Testamento é algo assim: o novo nascimento é uma regeneração poderosa, realizada por Deus mesmo, na vida humana; é tão poderosa que os nascidos de novo são necessariamente transformados. A consequência é que os cristãos professos cujas vidas são indistinguíveis da vida dos incrédulos, não têm fundamento bíblico para pensar que nasceram de novo.”
Donald A. Carson, O Deus Presente – Encontrando seu lugar no plano de Deus; traduzido por Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Editora Fiel. 2012. p. 175



A RÉPLICA DE NICODEMOS – IRONIA (V.4)

Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? Jo 3.4


Alguns pensam que Nicodemos não compreendeu a resposta, pois pensou que Jesus tinha falado de forma literal. Mas isso não faz sentido. Como já dito, Nicodemos era um dos principais mestres de Israel, profundo conhecedor da lei de Deus, e, portanto, plenamente capacitado para entender que Jesus utilizou uma figura de linguagem em sua resposta.

É mais razoável admitir que Nicodemos replicou com ironia, pois, para ele, o que Jesus estava prometendo era completamente impossível. “Nascer de novo”? “Começar a vida do zero, mesmo já adulto, com uma nova mente e novo coração capazes de ouvir, compreender e atender a vontade de Deus”? Não, não, certamente ninguém pode prometer isso.

“É fácil prometer uma porção de coisas. Você pode prometer que alguns terão um novo começo; pode prometer satisfação no casamento. Pode dizer: ‘Se você quer ficar rico, siga-me.’ Você pode prometer todo tipo de coisa, mas o que você está prometendo está além do possível. Você está prometendo demais. Um novo começo? Um novo nascimento? Como alguém pode começar tudo de novo? O tempo não volta atrás, exceto em algumas histórias fictícias. Você não pode retornar ao ventre de sua mãe e ter um novo começo de vida. Você está prometendo demais. Como um homem pode nascer de novo?
(...)
Jesus, você está estimulando o impossível. Não há novo começo. Não há novo nascimento. Você pode ser o Messias, mas agora está prometendo demais.”
Donald A. Carson, O Deus Presente – Encontrando seu lugar no plano de Deus; traduzido por Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Editora Fiel. 2012. p. 179-180



A EXPLICAÇÃO AMPLIADA POR JESUS (VS.5-8)

Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito. Jo 3.5-8


Alguns dizem que Jesus se referiu a dois nascimentos: o da água como o nascimento carnal e o do Espírito como o novo nascimento propriamente dito.

Essa não parece ser a melhor interpretação. Isso porque, ao analisarmos com atenção o texto, vemos que a segunda resposta de Jesus (v.5) reforça e amplia a primeira resposta dada a Nicodemos (v.3).


Em verdade, em verdade, te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Jo 3.3

Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. Jo 3.5


A ideia nos dois textos é a mesma: é necessário “nascer de novo”, que corresponde a “nascer da água e do Espírito”, para ver e entrar no reino de Deus. Não são dois nascimentos diferentes, mas um só, o novo nascimento que Jesus promete.

Essa ligação entre água e Espírito também existe no Antigo Testamento, e um dos textos mais evidentes a este respeito é Ezequiel 36.24-28.

Tomar-vos-ei de entre as nações, e de perante elas. Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis. Habitareis na terra que eu dei a vossos pais; vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus. Ez 36.24-28


O novo nascimento apresentado por Jesus é a regeneração do homem perdido, é transformação da natureza do homem (mente e coração), de forma que, após esse ato de Deus, o homem passa a se mover em direção a Deus.

“Regeneração é o ato de Deus pelo qual o princípio da nova vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma se faz santa, e o primeiro exercício santo desta nova disposição é assegurado.”
Louis Berkhof, Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª edição. Revisada. São Paulo: Cultura Cristã. 2012. p. 432



A CONVICÇÃO HUMANA DESTRUÍDA – A DÚVIDA DE NICODEMOS (V.9)

Então, lhe perguntou Nicodemos: Como pode suceder isso? Acudiu Jesus: Tu és mestre em Israel e não compreendes essas coisas? Jo 3.9


A explicação mais detalhada de Jesus sobre o novo nascimento fez com que a convicção e ironia de Nicodemos se transformassem em dúvida. “Como tudo isso é possível?”, pensava ele àquela altura da conversa.

Mais uma vez podemos perceber como o conhecimento humano é limitado e totalmente insuficiente para compreender o Ser e as obras de Deus. Nicodemos começou a conversa confiante, até levemente arrogante, tentou ser irônico para manter sua aparente superioridade, mas agora estava confuso, perdido, pois todo o seu conhecimento não foi suficiente para entender a mensagem de Jesus.

O grande mestre humano de Israel estava em apuros.



JESUS SE APRESENTA COMO O DEUS ENCARNADO E SALVADOR (VS.10-14)

Em verdade, em verdade te digo que  nós dizemos o que sabemos e testificamos o que temos visto; contudo, não aceitais o nosso testemunho. Se, tratando de coisas terrenas, não me credes, como crereis, se vos falar das celestiais? Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem [que está no céu]. E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna. Jo 3.10-15


Nicodemos começou a conversa falando no plural, mas agora é Jesus que usa o pronome “nós”. Calvino entende que Jesus falou em nome Dele mesmo e de todos os profetas que O predisseram, por isso usou “nós”.

Jesus usou o jogo de palavras proposto pelo próprio Nicodemos para mostrar que seu “nós” (Ele mesmo e os profetas de Deus até João Batista) era bem maior e mais importante que o “nós” de Nicodemos (os mestres fariseus).

Em seguida, Jesus se apresenta claramente como o Verdadeiro Deus Encarnado, o único que pode prometer e executar a regeneração, o novo nascimento.

Assim como a serpente foi levantada no deserto por Moisés, e livrou temporariamente os israelitas da morte, Jesus seria levantado no madeiro, mas desta vez para prover a libertação definitiva dos eleitos do caminho do inferno. Somente pelos méritos santos de Jesus Cristo é que podermos ver e entrar no Reino de Deus.

Neste ponto, você pode concluir que já sabia onde tudo isso ia dar. Talvez você tenha aprendido uma ou outra “curiosidade bíblica”, mas no final não viu nada de novo nessa exposição. Correto?

Se você respondeu “sim”, precisa repensar sua vida cristã e seu “novo nascimento”.



CONCLUSÃO

Nicodemos foi extraordinariamente impactado com a conversa que teve com Jesus. Deus foi gracioso ao transformar sua mente e seu coração, e, por isso, essa conversa mudou sua vida em todas as áreas.

Nicodemos entendeu que Deus não é um avô supermanso e nem mesmo um Deus distante ou carente, mas é o Soberano do Universo e o Deus-Pessoal que resolveu se relacionar de forma amorosa com seus filhos.

Da mesma forma que com Nicodemos, o novo nascimento em Jesus nos permite compreender biblicamente quem é Deus e nos leva a ter sede por conhecê-lo mais para adorá-lo melhor.

Se alguém diz que passou pelo novo nascimento, mas não tem desejo ardente de conhecer e adorar a Deus mais e melhor, certamente está se enganando e buscando experiências religiosas distantes do Deus bíblico.

O novo nascimento transforma o homem por inteiro, a fim de que seu principal objetivo seja adorar a Deus em todas as áreas de sua vida.


“Esses homens e mulheres de todas as classes da sociedade e de nacionalidade foram admitidos pelo próprio Deus à comunhão com a majestade de seu ser eterno. Graças a esta obra de Deus no coração, a convicção de que o todo da vida do homem deve ser vivido como na presença divina tem se tornado o pensamento fundamental do Calvinismo. Por esta ideia decisiva, ou melhor, por este fato poderoso, ele tem se permitido ser controlado em cada departamento de seu domínio inteiro.”
Abraham Kuyper; Calvinismo; traduzido por Ricardo Gouvêa; Paulo Arantes; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2014; pág. 34


“Ser irreligioso é abandonar o propósito mais alto de nossa existência. Por outro lado, não cobiçar outra existência senão a vivida para Deus, não ansiar por nada exceto a vontade de Deus, e estar totalmente absorvido na glória do nome do Senhor, isto é a essência e o cerne de toda verdadeira religião. “Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade”, é a tripla petição, que dá expressão à verdadeira religião. Nossa senha deve ser – “Buscai primeiro o reino de Deus”, e depois disto pense em suas próprias necessidades. Primeiro permanece a confissão da absoluta soberania do Deus Trino; pois dele, através dele e para ele são todas as coisas. E por isso, nossa oração continua a mais profunda expressão de toda a vida religiosa.”
Abraham Kuyper; Calvinismo; traduzido por Ricardo Gouvêa; Paulo Arantes; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2014; pág. 56



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BERKHOF, L.; Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª edição. Revisada. São Paulo: Cultura Cristã. 2012. 720p.

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2009. 1920p.

CARSON, D.A.; O Deus Presente – Encontrando seu lugar no plano de Deus; traduzido por Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Editora Fiel. 2012. 317p.

KUYPER, A.; Calvinismo; traduzido por Ricardo Gouvêa; Paulo Arantes; São Paulo: Cultura Cristã, 2ª edição, 2014; 208p.


quinta-feira, 16 de julho de 2015

O ofício profético de Jesus Cristo


- Introdução
- A importância dos ofícios de Cristo
- O profeta no Antigo Testamento
- Provas bíblicas do ofício profético de Jesus Cristo:
            - Textos das Escrituras
            - O próprio Cristo reivindicou ser profeta
- Formas de exercício do ofício profético por Cristo
- Antes da encarnação
- Depois da encarnação
- Conclusão


INTRODUÇÃO


Estudar a pessoa e a obra do Senhor Jesus Cristo é um desafio grande, pois nesse empreendimento nos atrevemos, como finitos que somos, a tentar compreender um pouco sobre quem é nosso Senhor, o Deus-encarnado, e quais funções ele exerceu em Sua obra redentora.

Para tanto, é necessário contar com a iluminação do Santo Espírito de Deus na compreensão das Escrituras Sagradas, que são a Palavra revelada de Deus e nossa única regra de fé e prática.

Nesta aula, nos ateremos ao estudo do ofício profético de Jesus Cristo. A compreensão desse assunto é essencial para fortalecermos nossa fé Nele e é mais um motivo para rendermos glória e honra ao Único Rei do Universo e nosso eterno Salvador.


“Tendo nos lembrado disso, retornemos agora, uma vez mais, ao grande ponto central de toda a revelação, isto é, o Senhor Jesus Cristo. Temos focalizado Sua Pessoa, e agora continuamos com o que a Bíblia nos afirma sobre sua obra. Era necessário que tratássemos primeiramente da Pessoa, porquanto jamais entenderíamos a obra até que estejamos bem informados sobre quem Ele é.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 369



A IMPORTÂNCIA DOS OFÍCIOS DE CRISTO


O homem foi criado por Deus para exercer três funções: profeta, sendo que recebeu do Criador conhecimento e entendimento; sacerdote, e para tanto foi feito justo e santo, devendo assim manter-se; e rei, tendo domínio sobre toda a criação.

Contudo, o pecado afetou toda a vida do homem, tendo como consequências ignorância e cegueira, erro e falsidade, injustiça, culpa, corrupção moral e morte.

Por isso, foi necessário que Jesus Cristo exercesse os três ofícios de forma perfeita, para nos libertar do pecado e nos reconciliar com Deus Pai.


“(...) Explica-se o fato de Cristo ter sido ungido para um tríplice ofício com o fato de que o homem foi originariamente profeta, sacerdote e rei e, nestas qualidades, foi dotado de conhecimento e entendimento, de justiça e santidade, e de domínio sobre a criação inferior. O pecado afetou toda a vida do homem e se manifestou, não somente como ignorância e cegueira, erro e falsidade, mas também como injustiça, culpa e corrupção moral; e, em acréscimo, como enfermidade, morte e destruição. Daí, foi necessário que Cristo, nosso Mediador, fosse Profeta, Sacerdote e Rei. Como Profeta, ele representa Deus para com o homem; como Sacerdote, ele representa o homem na presença de Deus; e como Rei, ele exerce domínio e restabelece o domínio original do homem. (...)”
Louis Berkhof, Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª edição. Revisada. São Paulo: Cultura Cristã. 2012. p. 328


Jesus Cristo exerceu os três ofícios para nos libertar da ignorância, da culpa e do domínio do pecado.


“Vemos de imediato que é indispensável que Ele assuma as três funções. Precisamos de um profeta, porque precisamos ser libertados e salvos da ignorância do pecado. Ao considerarmos a doutrina da Queda e suas consequências, vimos que os homens e as mulheres foram deixados num estado de ignorância (...).
Mas também precisamos ser libertados da culpa do pecado. Portanto, precisamos de um sacerdote. Em razão da culpa do pecado, necessitamos que alguém possa comparecer em nossa defesa à presença de Deus. Portanto, Cristo teve que assumir a função de Sacerdote.
E então, evidentemente, temos que ser libertados do domínio do pecado – e as Escrituras dizem que fomos libertados. Fomos tirados do reino das trevas e transportados para “o reino do Filho do seu amor” (Cl 1:13). Ele só faz isso quando assume a função de rei, com poder e autoridade. Somente como Rei Ele pode libertar-nos e introduzir-nos no reino sobre o qual Ele governa e do qual nos tornamos cidadãos.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 370-371


“PERGUNTA 31. O nome Cristo significa Ungido. Porque Jesus tem também esse nome?
RESPOSTA. Porque ele foi ordenado por Deus Pai e ungido com o Espírito Santo para ser nosso supremo Profeta e Mestre, nosso único Sumo Sacerdote e nosso eterno Rei. Como Profeta, nos revelou plenamente o plano de Deus para nossa salvação. Como Sumo Sacerdote, nos resgatou pelo único sacrifício de seu corpo e, continuamente, intercede por nós junto ao Pai. Como Rei, nos governa por sua Palavra e Espírito e nos protege e guarda na salvação que conquistou para nós.”
Catecismo de Heidelberg, pergunta 31.


“Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo; deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.”
Confissão de Fé de Westminster, Capítulo VIII, I.



O PROFETA NO ANTIGO TESTAMENTO


O profeta era a “boca” ou o “porta-voz” de Deus. Ele recebia a revelação de Deus e a transmitia ao povo. A principal característica do profeta não era falar “antes de”, ou seja, anunciar algo antes do seu acontecimento, mas sim falar “em nome de”, que significa ter autoridade dada por Deus para falar a Sua palavra em Seu nome.

Ele falará por ti ao povo; ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus. Ex 4.16

Então, disse o Senhor a Moisés: Vê que te constituí como Deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta. Ex 7.1



PROVAS BÍBLICAS DO OFÍCIO PROFÉTICO DE JESUS CRISTO


- Alguns textos das Escrituras:

O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás. (...) Suscitar-lhes-ei um profeta no meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. De todo aquele que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, disso lhe pedirei conta. Dt 18:15, 18-19

Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. Mt 7.28-29

Vendo, pois, os homens o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é, verdadeiramente, o profeta que devia vir ao mundo. Jo 6.14

At 3.19-26


- O próprio Cristo reivindicou ser profeta:

Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém. Lc 13.33

Muitas coisas tenho para dizer a vosso respeito e vos julgar; porém aquele que me enviou é verdadeiro, de modo que as coisas que dele tenho ouvido, essas digo ao mundo. Jo 8.26

Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai,que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar. E sei que o seu mandamento é a vida eterna. As coisas, pois, que eu falo, como o Pai me tem dito, assim falo. Jo 12.49-50



FORMAS DE EXERCÍCIO DO OFÍCIO PROFÉTICO POR CRISTO


- Antes da encarnação:

“Ele agiu como profeta mesmo na antiga dispensação, como nas revelações especiais do Anjo do Senhor, nos ensinos dos profetas, nos quais agiu como espírito de revelação (1Pe 1.11), e na iluminação espiritual dos crentes. Aparece em Provérbios 8 como a sabedoria personificada, ensinando os filhos dos homens.”
Louis Berkhof, Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª edição. Revisada. São Paulo: Cultura Cristã. 2012. p. 329


“Nenhuma luz, nenhum conhecimento, nenhum compreensão, seja qual for, vem independentemente dEle. E como já vimos, Aquele que foi descrito no Velho Testamento como sendo o Anjo do Concerto era indubitavelmente o Senhor Jesus Cristo.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 374


Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam. 1 Pe 1.10-11


“Cristo era o Espírito iluminando os profetas, a respeito dEle mesmo. Enquanto enunciavam Suas profecias e as expressavam, Ele era o Profeta ensinando os profetas; Ele lhes comunicava sua mensagem.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 374



- Depois da encarnação:


Todo o ensino do Senhor Jesus Cristo entre os homens foi feito como Profeta. Podemos citar alguns exemplos, como seu ensino sobre Deus Pai, o Sermão do Monte, o amor de Deus na redenção dos pecadores, Sua Natureza, Sua Pessoa etc.

Jesus Cristo ensinou, acima de tudo, por Sua vida e exemplo. Ele foi o homem que entendeu e cumpriu perfeitamente a Vontade do Deus Pai. Suas obras comprovavam a veracidade do Seu ensino.


Disse-lhe Jesus: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. Jo 14.9-10


“Devemos viver como Ele viveu, caminhar em Seus passos, tal como Pedro nos diz em 1 Pedro 2:21,22: “Porque para isto sois chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos seu exemplo, para que sigais as suas pisadas. O que não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano.” Ele nos deixou um exemplo, demonstrando Seu amor e tolerância, bem como todos os Seus demais atributos, e devemos viver como Ele viveu. Foi assim que Ele exerceu sua função profética enquanto viveu aqui na terra.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 375-376


Mesmo após Sua ascensão ao céu, Jesus Cristo continuou a exercer seu ofício profético através do Espírito Santo, que guiou os autores bíblicos, guiou as Igrejas na formação do Cânon Sagrado, continua a nos guiar e continuará ao lado dos seus escolhidos até a volta gloriosa do Senhor Jesus.

O ofício profético de Cristo é verdadeiro e extremamente importante, pois é através dele que podemos compreender a mensagem de Deus para nós. Não crer nesse ofício é rejeitar o Senhor Jesus e sua obra de salvação.


“Não podemos, e nem devemos, esquecer que nosso bendito Senhor e Salvador é profeta. Como o Profeta, Ele trouxe a luz e o conhecimento a este mundo que deles carecia. Tão-somente Ele pode guiar-nos a Deus e comunicar-nos o conhecimento de Deus que desejamos. É Ele que finalmente traz todo conhecimento e instrução aos perdidos na ignorância e trevas do pecado.”
Martyn Lloyd-Jones, Grandes Doutrinas Bíblicas. Deus o Pai, Deus o Filho; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1997. p. 377


“Entretanto, isto permanece estabelecido: com esta perfeição da doutrina, que Cristo trouxe, pôs-se um fim a todas as profecias, de tal sorte que violam sua autoridade quantos, não contentes com o evangelho, o remendam de algo estranho.”
João Calvino. As Institutas; tradução de Waldir Carvalho Luz. 2ª edição. São Paulo: Cultura Cristã. 2006. p. 249



CONCLUSÃO

O Senhor Jesus Cristo exerceu os três ofícios, profeta, sacerdote e rei, para nos libertar da ignorância, da culpa e do domínio do pecado.

Seu ofício profético é confirmado nas Escrituras Sagradas do Antigo e do Novo Testamentos e também é confirmado por Ele mesmo, que anunciou ser o Supremo Profeta.

Cristo exerceu seu ofício profético tanto antes como depois da encarnação, e continuará a exercê-lo até sua volta gloriosa.

Não crer no ofício profético de Cristo é motivo de condenação, pois é o mesmo que rejeitar a Luz que ilumina o mundo (Jo 8.12).