terça-feira, 21 de outubro de 2014

Soberania de Deus na salvação - aula 05 - A divergência entre os semipelagianos e Agostinho


SOBERANIA DE DEUS NA SALVAÇÃO


AULA 05


A DIVERGÊNCIA ENTRE OS SEMIPELAGIANOS
E AGOSTINHO



TÓPICOS DA AULA

- Biografia de João Cassiano
- Concepções do semipelagianismo
- O Sínodo de Orange
- Quadro comparativo entre as doutrinas de Pelágio, Agostinho e Cassiano



BIOGRAFIA DE JOÃO CASSIANO

Nascimento: 360 (Cítia Menor)
Falecimento: 435 (Marselha, França)
* Cítia Menor é a atual Romênia

Recebeu formação religiosa em Belém e viveu no Egito.

Foi ordenado diácono por João Crisóstomo, em Constantinopla, e padre pelo papa Inocêncio, em Roma.

Em 415 fundou dois mosteiros em Marselha, um exclusivo para homens e outro exclusivo para mulheres.



JOÃO CASSIANO E O SEMIPELAGIANISMO

João Cassiano esforçou-se por demonstrar as falhas dos conceitos de Agostinho a respeito da salvação. Ele procurou elaborar uma alternativa tanto ao monergismo como ao pelagianismo, desenvolvendo um sinergismo católico ortodoxo.

- Monergismo: é o poder sobrenatural de Deus somente pelo qual é concedido ao homem a capacidade espiritual para cumprir as condições do pacto da graça.

- Sinergismo: afirma que Deus atua parcialmente e que a totalidade da salvação também depende da vontade de cada ser humano para completar a obra divina e com isso unir-se a Deus de maneira deliberada.

A proposta de João Cassiano ficou conhecida como semipelagianismo e foi aceita por grande parte do catolicismo romano medieval.

Resumo do pensamento de João Cassiano:

1. As concepções de Agostinho são novas e representam um afastamento dos ensinos dos pais da igreja, especialmente Tertuliano, Ambrósio e Jerônimo. O próprio Cassiano foi aluno de Crisóstomo.

2.  O ensino de Agostinho sobre a predestinação “mutila a força da pregação, reprovação e energia moral,... imerge os homens no desespero”, e introduz “uma certa necessidade fatal”.

3. As fortes concepções de Agostinho não são necessárias para refutar as heresias de Pelágio e fugir delas.

4. Embora a graça de Deus seja necessária para a salvação e assista a vontade humana no fazer o bem, é o homem, não Deus, quem deve desejar o que é bom. A graça é dada “a fim de que aquele que começou a desejar, seja assistido”, não para dar “o poder de desejar”.

5. Deus deseja salvar todas as pessoas e a propiciação da expiação de Cristo está disponível a todos.

6. A predestinação baseia-se na presciência divina.

7. Não há “um número definido de pessoas a serem eleitas ou rejeitadas”, desde que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos, porém nem todos os homens são salvos”.

R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 64-65.


Cassiano afirmava a doutrina do pecado original na qual o homem é decaído em Adão. Porém, ele defendia que a vontade não foi destruída e o homem não é moralmente impotente de forma completa, ou seja, para ele, mesmo depois da queda, o homem ainda pode buscar a Deus.

Para Cassiano a vontade humana foi mutilada pelo pecado, mas uma certa liberdade permaneceu nela. 

Por causa disso, o homem é capaz de se voltar para Deus. O pecador não está morto, mas ferido. A graça não opera a salvação, mas coopera com a decisão do homem de buscar a Deus.

Ao contrário de Pelágio, Cassiano insistiu que a graça e necessária para a justiça. Essa graça, no entanto, é resistível. Porque para ser efetiva, a vontade humana deve cooperar com ela.


“A graça de Deus é a base da nossa salvação; cada começo deve ser traçado por ela, porquanto ela proporciona a chance da salvação e a possibilidade de se ser salvo. Mas essa é a graça exterior; a graça interior é a que se apodera do homem, aclara, purifica, santifica e penetra tanto na sua vontade quanto na sua inteligência. A virtude humana não pode crescer nem ser aperfeiçoada sem essa graça — logo, as virtudes dos pagãos são muito pequenas. Mas o início das boas decisões, bons pensamentos e fé — entendidos como a preparação para a graça — pode ser devido a nós mesmos. Consequentemente, a graça é absolutamente necessária para alcançarmos a salvação final (perfeição), mas não tanto para dar a partida. Ela nos acompanha em todos os estágios do nosso crescimento interior, e as nossas manifestações não são úteis sem ela (libero arbitrio semper co-operatur); mas ela apenas apoia e acompanha aquele que realmente se esforça... mesmo essa... ação da graça não é irresistível”.
Adolph Harnack, History of Dogma, parte 2, livro 2, trad. por James MilIar (1898: Nova York: Dover, 1961), p. 247 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 66. (grifos nossos)


Principais doutrinas do semipelagianismo:

- O homem caído ainda tem condições de buscar a Deus;

- A graça de Deus pode ser resistida pelo homem.


A pergunta principal que diferencia o semipelagianismo e o agostinianismo é: Quem dá o primeiro passo para a salvação, o homem ou Deus?

Para os semipelagianos: o homem
Para Agostinho: Deus


“Em oposição a ambos os sistemas [pelagianismo e agostinianismo], ele [Cassiano] pensava que a imagem divina e a liberdade humana não haviam sido aniquiladas, mas apenas enfraquecidas pela queda; em outras palavras, que o homem estava doente mas não morto, que não podia, de fato, ajudar-se, mas podia desejar a ajuda de um médico e aceitá-la ou recusá-la quando oferecida, e que ele devia cooperar com a graça de Deus na sua salvação. À questão sobre qual dos dois fatores tem a iniciativa, ele responde de forma completamente empírica: que algumas vezes, e, de fato normalmente, a vontade humana, como nos casos do Filho Pródigo, Zaqueu, do Ladrão Penitente e de Cornélio, orienta-se para a conversão; algumas vezes a graça a antecipa e, como com Mateus e Paulo, retira a vontade resistente — porém, mesmo nesse caso, sem coerção — a Deus. Aqui, consequentemente, a gratia praeveniens é manifestamente negligenciada.”
Philip Schaff, History of the Christian Church, 8 vols. (1907-10; Grand Rapids: Eerdmans, 1952-53), 3:861 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 68.


“O problema dos semipelagianos foi ensinar que a natureza humana, de si mesma, podia dar o primeiro passo em direção a Deus (initium fidei ou fé inicial). Em outros termos, eles opinavam que o ser humano é salvo somente pela graça de Deus, mas esse processo começa com a iniciativa de uma boa disposição do coração humano para com Deus.
A declaração mais famosa e controvertida de Cassiano foi aquela em que, na sua obra Conferências, ao referir-se ao princípio da boa-vontade para com Deus, ele disse que Deus aumenta “aquilo que Ele mesmo implantou ou que percebeu ter nascido de nosso próprios esforços.” Seus adversários agostinianos, como Próspero de Aquitânia, alegaram com razão que isso não era muito diferente do pelagianismo.
Em síntese, o semipelagianismo é a idéia de que a natureza e a iniciativa humanas, por si sós, sem a graça sobrenatural auxiliadora, são capazes de provocar a resposta de Deus no sentido de conceder a graça salvífica.”
Herminstein Maia Pereira da Costa. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Editora Mundo Cristão, pág. 95, disponível em: http://books.google.com.br/books?id=_u6isxgndmoC&pg=PA94&lpg=PA94&dq=semipelagianismo+e+a+igreja+catolica&source=bl&ots=Q5xQppo2cP&sig=zIORJ5Rp4b_vIgWGZ7KqJMxukMQ&hl=pt-BR&sa=X&ei=v3VCVMOfBY-7ggTe54HIDQ&ved=0CEUQ6AEwBw#v=onepage&q=semipelagianismo%20e%20a%20igreja%20catolica&f=false. Acessado em 18 de outubro de 2014.


O SÍNODO DE ORANGE (529)

O debate entre os defensores de Agostinho e de Cassiano espalhou-se pela Europa e atingiu seu clímax no Sínodo de Orange, que condenou o semipelagianismo.

“Em Orange, os bispos católicos condenaram os principais aspectos do semipelagianismo, endossaram o conceito que Agostinho tinha da necessidade e total suficiência da graça e condenaram a crença na predestinação divina para o mal ou para a perdição. Como Agostinho nunca chegou a afirmar especificamente que Deus predestina alguém ao pecado ou ao inferno, seus próprios ensinos passaram pelo Sínodo de Orange sem serem em nada criticados, mas também sem serem plenamente confirmados. O sínodo não defendeu a predestinação de nenhuma forma. Entretanto, exigiu a crença que qualquer ato de bondade ou retidão dos seres humanos é resultado da graça de Deus que opera neles.
A teologia católica ortodoxa, a partir de então, incluiria as idéias de que a graça de Deus é a única origem e causa de todos os atos de retidão humana e que os homens não são capazes de realizar obras merecedoras da salvação sem a graça auxiliadora. Todavia, como o Sínodo de Orange deixou em aberto a questão da livre cooperação humana com a graça, a Igreja Católica passou a incluir e enfatizar um sistema de obras meritórias que são necessárias como credenciais de graça e isso se reverteu a favor de um tipo de sinergismo no qual o livre-arbítrio precisa cooperar com a graça para que a salvação chegue à consumação perfeita”.
O Concílio de Orange. Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto, Cuiabá-MT, 15 de março de 2004. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/credos/orange.htm. Acessado em 18 de outubro de 2014.


“Essa controvérsia foi encerrada em 529 pelo Sínodo de Orange, no sul da França, que condenou os principais aspectos da teoria semipelagiana, afirmou o conceito agostiniano da necessidade e total suficiência da graçae condenou a crença na predestinação para o mal ou para a perdição. Com seu agostinianismo atenuado, o sínodo insistiu que todo ato de retidão dos serem humanos é resultado da graça divina que neles atua; no entanto, deixou em aberto a questão da livre cooperação humana com a graça. Toda a ênfase foi colocada na graça dada no batismo.
Com isso a Igreja adotou na prática um tipo de sinergismo em que o livre-arbítrio precisa cooperar com a graça para que a salvação se complete. Apesar de oficialmente condenado, o semipelagianismo tornou-se a teologia popular mais aceita por grande parte do catolicismo medieval, com sua ênfase em obras meritórias e no sistema penitencial, que remontava ao século III com Cipriano de Cartago.”
Herminstein Maia Pereira da Costa. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Editora Mundo Cristão, pág. 95, disponível em: http://books.google.com.br/books?id=_u6isxgndmoC&pg=PA94&lpg=PA94&dq=semipelagianismo+e+a+igreja+catolica&source=bl&ots=Q5xQppo2cP&sig=zIORJ5Rp4b_vIgWGZ7KqJMxukMQ&hl=pt-BR&sa=X&ei=v3VCVMOfBY-7ggTe54HIDQ&ved=0CEUQ6AEwBw#v=onepage&q=semipelagianismo%20e%20a%20igreja%20catolica&f=false. Acessado em 18 de outubro de 2014.


Fundamentos bíblicos para refutação do semipelagianismo:

A alma que pecar, essa morrerá (...). Ez 18:20

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Rm 5:12

porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. Rm 6:23

Fui buscado pelos que não perguntavam por mim; fui achado por aqueles que não me buscavam; a um povo que não se chamava do meu nome, eu disse: Eis-me aqui, eis-me aqui.         Is 65:1

(...) Ao Senhor pertence a salvação. Jn 2:9

Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus. Fp 1:6

porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fp 2:13

Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Ef 2:8

Porque sem mim nada podeis fazer. Jo 15:5

Porque tudo vem de ti, e das tuas mãos to damos. I Cr 29:14

Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.         Jo 8:36

O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe for dada. Jo 3:27

QUADRO COMPARATIVO SOBRE DOUTRINAS HISTÓRICAS
DOUTRINA
PELAGIANA
AGOSTINIANA
SEMIPELAGIANA
PRINCIPAIS DEFENSORES 
Pelagio, Julião de Eclano, Celéstio 
Agostinho de Hipona
João Cassiano
VISÃO SOBRE HOMEM 
A natureza humana é inocente e pura, o homem nasce sem culpa ou pecado, é uma criatura perfeita.
A natureza humana é pecaminosa, o homem por si só não é salvo, depende única e exclusivamente de Deus.
A natureza humana é pecaminosa, mas o homem que buscar encontrará Deus.
VISÃO SOBRE O PECADO 
O homem não é pecador por natureza, ele a capaz de viver sem pecar. O pecado de Adão não afetou seus descendentes.
O homem nasce pecador como consequência do pecado inicial de Adão.
O homem nasce pecador como consequência do pecado inicial de Adão.
VISÃO SOBRE O BATISMO 
O homem é inocente, não necessita do batismo. O batismo serve apenas para o homem se unir com Jesus Cristo.
O batismo representa a limpeza do pecado realizada por Deus.
O batismo representa a limpeza do pecado realizada por Deus.
VISÃO SOBRE A GRAÇA DE DEUS 
A graça não é essencial para a salvação, ela apenas auxilia o homem. A recompensa de Deus é fruto natural do esforço do próprio homem.
A graça é essencial à salvação e é dada por Deus apenas aos eleitos. Após a conversão, ela é o instrumento que mantém o homem afastado do mal, pois sem ela o homem é fraco e cairá novamente. 
O homem dá o primeiro passo em direção a Deus. A graça é alcançada segundo o esforço do homem em fazer o bem e seguir a vontade de Deus.
VISÃO SOBRE A SALVAÇÃO 
Única e exclusivamente do homem. O homem realiza a sua escolha.
Deus escolhe o homem segundo a sua vontade. Somente os eleitos serão salvos.
O homem dá o primeiro passo em direção a Deus, e só então Deus age com graça e concede a salvação.


CONCLUSÕES

- Principais doutrinas do semipelagianismo: o homem caído ainda tem condições de buscar a Deus; a graça de Deus pode ser resistida pelo homem;

- Quem dá o primeiro passo para a salvação? Para os semipelagianos é o homem; para Agostinho é Deus;

- O Sínodo de Orange (529) condenou o semipelagianismo;

- A doutrina da graça defendida por Agostinho é a única verdadeiramente bíblica e que reconhece que toda a glória pertence a Deus (Soli Deo Gloria).


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