segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Soberania de Deus na salvação - aula 06 - O arminianismo


SOBERANIA DE DEUS NA SALVAÇÃO


AULA 06

O ARMINIANISMO



TÓPICOS DA AULA

- Biografia de Jacó Arminio
- Os cinco pontos do arminianismo
- O Sínodo de Dort


BIOGRAFIA DE JACÓ ARMÍNIO

Nascimento: 10.10.1560 (Oudewater, Holanda)
Falecimento: 19.10.1609 (Leiden, Holanda)

Estudou teologia em Leiden e em Genebra.

Foi professor de teologia em Amsterdã e em Leiden.


Armínio questionava a graça soberana de Deus pregada pelos reformadores. Era simpático aos ensinos de Pelágio e Erasmo de Roma, que pregavam que o homem possuía livre vontade para escolher/buscar a Deus.

Defendia a revisão da Confissão Belga e do Catecismo de Heidelberg quanto à predestinação.

Em 1610, após a morte de Armínio, seus discípulos formularam seus ensinos em cinco pontos, conhecidos como CINCO PONTOS DO ARMINIANISMO (FACTS).

Freed by Grace (to Believe) – Livre pela graça (para crer)
Atonement for All – Expiação para Todos
Conditional Election – Eleição Condicional
Total Depravity – Depravação Total
Security in Christ – Segurança em Cristo


A descrição dos cinco pontos do arminianismo apresentada a seguir foi extraída e adaptada de:

Brian Abasciano e Martin Glynn. Texto adaptado de https://credulo.wordpress.com/2011/11/20/traducoes-credulas-um-esboco-do-facts-arminiano-contra-o-tulip-calvinista/. Tradução: Crédulo, disponível em: http://deusamouomundo.com/facts-x-tulip/. Acessado em 25 de outubro de 2014.


DEPRAVAÇÃO TOTAL

A humanidade fora criada à imagem de Deus, boa e direita, mas caiu de seu estado original sem pecado através de deliberada desobediência, deixando a humanidade em estado de pecado, separada de Deus, e debaixo da sentença de divina condenação.

Depravação total não significa que os seres humanos são tão maus quanto eles podem ser, mas que o pecado impacta cada parte do ser pessoal e que as pessoas agora têm uma natureza pecaminosa com uma inclinação natural para o pecado, fazendo cada ser humano ser fundamentalmente corrupto em seu coração.

Portanto, o ser humano não é capaz de pensar, ter vontade, nem fazer nada de bom em si mesmo, incluindo favor meritório para Deus, salvar-se a si mesmo do julgamento e condenação de Deus que fora reservada para vosso pecado, ou mesmo crer no Evangelho.

Se qualquer pessoa será salva, Deus deve tomar iniciativa.

“Nesse estado, o livre-arbítrio do homem em direção ao Verdadeiro Bem fica não apenas ferido, mutilado, débil, torto e enfraquecido [attenuatem], mas também prisioneiro [captivatum], destruído e perdido. E seus poderes não são apenas debilitados e inúteis a não ser que sejam assistidos pela graça, como não têm quaisquer poderes exceto os que são despertados pela graça divina...”
Tiago Armínio, The Public Disputations os James Arminius, D.D., in Tiago Armínio, The Works os James Arminius: The London Edition, trad. Por James e William Nichols, 3 vols. (1825-75; Grand Rapids: Baker, 1986), 2:192, in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 121.


“Porque Cristo disse, ‘Sem mim, nada podeis fazer’ [João 15.5]. Agostinho, depois de haver diligentemente meditado em cada palavra dessa passagem, fala assim: ‘Cristo não diz, “Sem mim, vocês podem fazer apenas um pouco”; também não diz, “Sem mim vocês não podem fazer qualquer coisa árdua”, nem “Sem mim vocês podem fazer, mas com dificuldade”: Mas ele diz, “Sem mim, nada podeis fazer!” Ele não diz, “Sem mim, vocês não podem completar [perficere] qualquer coisa”; mas “Sem mim, nada podeis fazer”.”
Tiago Armínio, The Public Disputations os James Arminius, D.D., in Tiago Armínio, The Works os James Arminius: The London Edition, trad. Por James e William Nichols, 3 vols. (1825-75; Grand Rapids: Baker, 1986), 2:192, in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 122.


EXPIAÇÃO PARA TODOS

Deus amou o mundo e deseja que todas as pessoas sejam salvas e venham ao conhecimento da verdade.

Portanto, Deus entregou Seu único Filho para morrer pelos pecados do mundo todo de modo a proporcionar perdão e salvação a todas as pessoas.

Enquanto Deus providenciou salvação para todas as pessoas pela morte substitutiva e sacrificial de Cristo para todos, os benefícios desta morte são recebidos pela graça mediante a fé e são eficazes apenas aos que creem.


LIVRE PELA GRAÇA (PARA CRER)

Deus chama todas as pessoas em todos os lugares para se arrependerem e crerem no Evangelho, e graciosamente habilita àqueles que ouvem o Evangelho a responder positivamente em fé.

Deus regenera aqueles que creram em Cristo (Fé precede logicamente a regeneração).

A graça salvadora é resistível, o que significa que ele dispensa seu chamado, projeto, e graça capacitadora (que nos traria salvação se respondida com fé) de tal forma que possamos rejeitá-la. Aqueles que ouvem o Evangelho podem ou aceitá-lo pela graça ou rejeitá-lo para sua eterna destruição.

“No próprio início de sua conversão, o homem se conduz de uma forma puramente passiva; isto é, embora por um ato vital, por um sentimento [sensu], ele tenha uma percepção da graça que o chama, ele nada pode fazer senão recebê-la e senti-la. Mas, quando ele sente a graça afetando ou inclinando sua mente e coração, ele livremente concorda com ela e, ao mesmo tempo, é capaz de recusar seu consentimento.”
Tiago Armínio, Certain Article to Be Diligentely Examined and Weighted: Because Some Controversy Has Arisen Concerning Them among Those Who Profess the Reformed Religion, in Armínio, The Works os James Arminius: The London Edition, 2:722 (17.17), in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 128.
  

ELEIÇÃO CONDICIONAL

Deus soberanamente decidiu escolher apenas aqueles que teriam fé em Seu Filho Unigênito Jesus Cristo, para salvação e sua eterna bênção.

Deus pré-conheceu da eternidade aqueles indivíduos que creriam em Cristo.

“A graça suficiente deve, necessariamente, ser estabelecida; porém, essa graça suficiente, por falha daquele a quem é concedida [contingit], nem [sempre] obtém seu efeito. Caso contrário, a justiça de Deus não poderia ser defendida quanto à condenação daqueles que não crêem.”
Tiago Armínio, Certain Article to Be Diligentely Examined and Weighted: Because Some Controversy Has Arisen Concerning Them among Those Who Profess the Reformed Religion, in Armínio, The Works os James Arminius: The London Edition, 2:721 (17.4), in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 126.
  

SEGURANÇA EM CRISTO

A segurança da salvação continua pela fé em Cristo. Como o Santo Espírito capacita o homem a crer em Cristo, igualmente Ele o capacita a continuar crendo em Cristo.

Deus protege o relacionamento de fé do homem com Ele de qualquer força que irresistivelmente o arrebate de Cristo ou da fé, e Ele o preserva em salvação enquanto confiar em Cristo.

Arminianos têm visões diferentes sobre se a Escritura ensina que crentes podem abandonar a fé em Cristo e então perecer, ou se Deus irresistivelmente mantém os crentes de perderem sua fé e portanto entrar em eterna condenação (como descrentes).

Resumo dos cinco pontos do arminanismo:

1- Deus elege ou reprova com base na fé ou incredulidade antevista.
2- Cristo morreu por todos e cada um dos homens, embora só os crentes sejam salvos.
3- O homem é tão depravado que a graça divina é necessária para a fé ou para qualquer boa obra.
4- É possível resistir a essa graça.
5- Se todos os que são verdadeiramente regenerados vão certamente perseverar na fé é um ponto que precisa mais investigação.

Roger Nicole, “Arminianism”, in Everett F. Harrison (org.), Baker’s Dictionary of Theology (Grand Rapids: Baker, 1960), p. 64 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 132.


O SÍNODO DE DORT

Os discípulos de Armínio apresentaram uma representação (que ficou conhecida como “Remonstrância”) ao Parlamento Holandês, para que os cinco pontos do arminianismo fossem declarados como o novo padrão doutrinário daquele país.

Para decidir a questão, foi convocado o Sínodo de Dort.

- Sínodo: grande reunião dos principais teólogos do país (84 teólogos + 13 delegados seculares)
- Dort (Dordrecht): cidade holandesa onde ocorreu a reunião

O Sínodo de Dort ficou reunido por cerca de 7 meses, de 13 de novembro de 1618 a maio de 1619.

Ocorreram 154 reuniões, nas quais os Cinco Pontos do Arminianismo foram examinados e comparados com o ensino das Escrituras Sagradas. Ao final desse intenso e profundo período de estudos, os teólogos concluíram que os Cinco Pontos do Arminianismo são contrários ao ensino da Bíblia.

Os teólogos formularam os Cânones de Dort, dispostos em cinco capítulos, cujos títulos ficaram conhecidos como Os Cinco Pontos do Calvinismo (TULIP):

Total depravity – Total depravação do homem
Unconditional election – Eleição incondicional
Limited atonement – Expiação limitada
Irresistible grace – Graça irresistível
Perseverance of the Saints – Perseverança dos santos


“... o fato de que alguns que são chamados pelo evangelho obedecerem ao chamado e serem convertidos não deve ser atribuído ao exercício próprio do livre-arbítrio segundo o qual alguém se distingue acima de outros igualmente supridos com a graça suficiente para a fé e conversão (como a orgulhosa heresia de Pelágio mantém), mas deve ser totalmente atribuído a Deus que, assim como escolheu os seus próprios desde a eternidade em Cristo, chama-os eficazmente no tempo apropriado, confere-lhes a fé e o arrependimento, resgata-os do poder da escuridão e transporta-os para o reino do seu próprio Filho; para que possam proclamar os louvores daquele que os fez sair da escuridão para a sua luz maravilhosa e possam gloriar-se não em si mesmos mas no Senhor, de acordo com o testemunho dos apóstolos em vários lugares.”
The Canons of Dort, apêndice I in Crisis in the Reformed Churches, de De Jong (org.), p. 246-47, in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 135.


CONCLUSÕES

- Cinco pontos do arminianismo: depravação total, expiação para todos, livre pela graça (para crer), eleição condicional e segurança em Cristo.

- Os cinco pontos do arminianismo foram condenados pelo Sínodo de Dort.

- O Sínodo de Dort formulou os cinco pontos do calvinismo: total depravação do homem, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos.

- Além disso, o Sínodo de Dort recebeu o Catecismo de Heidelberg e a Confissão Belga como padrões de fé reformados.


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Soberania de Deus na salvação - aula 05 - A divergência entre os semipelagianos e Agostinho


SOBERANIA DE DEUS NA SALVAÇÃO


AULA 05


A DIVERGÊNCIA ENTRE OS SEMIPELAGIANOS
E AGOSTINHO



TÓPICOS DA AULA

- Biografia de João Cassiano
- Concepções do semipelagianismo
- O Sínodo de Orange
- Quadro comparativo entre as doutrinas de Pelágio, Agostinho e Cassiano



BIOGRAFIA DE JOÃO CASSIANO

Nascimento: 360 (Cítia Menor)
Falecimento: 435 (Marselha, França)
* Cítia Menor é a atual Romênia

Recebeu formação religiosa em Belém e viveu no Egito.

Foi ordenado diácono por João Crisóstomo, em Constantinopla, e padre pelo papa Inocêncio, em Roma.

Em 415 fundou dois mosteiros em Marselha, um exclusivo para homens e outro exclusivo para mulheres.



JOÃO CASSIANO E O SEMIPELAGIANISMO

João Cassiano esforçou-se por demonstrar as falhas dos conceitos de Agostinho a respeito da salvação. Ele procurou elaborar uma alternativa tanto ao monergismo como ao pelagianismo, desenvolvendo um sinergismo católico ortodoxo.

- Monergismo: é o poder sobrenatural de Deus somente pelo qual é concedido ao homem a capacidade espiritual para cumprir as condições do pacto da graça.

- Sinergismo: afirma que Deus atua parcialmente e que a totalidade da salvação também depende da vontade de cada ser humano para completar a obra divina e com isso unir-se a Deus de maneira deliberada.

A proposta de João Cassiano ficou conhecida como semipelagianismo e foi aceita por grande parte do catolicismo romano medieval.

Resumo do pensamento de João Cassiano:

1. As concepções de Agostinho são novas e representam um afastamento dos ensinos dos pais da igreja, especialmente Tertuliano, Ambrósio e Jerônimo. O próprio Cassiano foi aluno de Crisóstomo.

2.  O ensino de Agostinho sobre a predestinação “mutila a força da pregação, reprovação e energia moral,... imerge os homens no desespero”, e introduz “uma certa necessidade fatal”.

3. As fortes concepções de Agostinho não são necessárias para refutar as heresias de Pelágio e fugir delas.

4. Embora a graça de Deus seja necessária para a salvação e assista a vontade humana no fazer o bem, é o homem, não Deus, quem deve desejar o que é bom. A graça é dada “a fim de que aquele que começou a desejar, seja assistido”, não para dar “o poder de desejar”.

5. Deus deseja salvar todas as pessoas e a propiciação da expiação de Cristo está disponível a todos.

6. A predestinação baseia-se na presciência divina.

7. Não há “um número definido de pessoas a serem eleitas ou rejeitadas”, desde que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos, porém nem todos os homens são salvos”.

R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 64-65.


Cassiano afirmava a doutrina do pecado original na qual o homem é decaído em Adão. Porém, ele defendia que a vontade não foi destruída e o homem não é moralmente impotente de forma completa, ou seja, para ele, mesmo depois da queda, o homem ainda pode buscar a Deus.

Para Cassiano a vontade humana foi mutilada pelo pecado, mas uma certa liberdade permaneceu nela. 

Por causa disso, o homem é capaz de se voltar para Deus. O pecador não está morto, mas ferido. A graça não opera a salvação, mas coopera com a decisão do homem de buscar a Deus.

Ao contrário de Pelágio, Cassiano insistiu que a graça e necessária para a justiça. Essa graça, no entanto, é resistível. Porque para ser efetiva, a vontade humana deve cooperar com ela.


“A graça de Deus é a base da nossa salvação; cada começo deve ser traçado por ela, porquanto ela proporciona a chance da salvação e a possibilidade de se ser salvo. Mas essa é a graça exterior; a graça interior é a que se apodera do homem, aclara, purifica, santifica e penetra tanto na sua vontade quanto na sua inteligência. A virtude humana não pode crescer nem ser aperfeiçoada sem essa graça — logo, as virtudes dos pagãos são muito pequenas. Mas o início das boas decisões, bons pensamentos e fé — entendidos como a preparação para a graça — pode ser devido a nós mesmos. Consequentemente, a graça é absolutamente necessária para alcançarmos a salvação final (perfeição), mas não tanto para dar a partida. Ela nos acompanha em todos os estágios do nosso crescimento interior, e as nossas manifestações não são úteis sem ela (libero arbitrio semper co-operatur); mas ela apenas apoia e acompanha aquele que realmente se esforça... mesmo essa... ação da graça não é irresistível”.
Adolph Harnack, History of Dogma, parte 2, livro 2, trad. por James MilIar (1898: Nova York: Dover, 1961), p. 247 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 66. (grifos nossos)


Principais doutrinas do semipelagianismo:

- O homem caído ainda tem condições de buscar a Deus;

- A graça de Deus pode ser resistida pelo homem.


A pergunta principal que diferencia o semipelagianismo e o agostinianismo é: Quem dá o primeiro passo para a salvação, o homem ou Deus?

Para os semipelagianos: o homem
Para Agostinho: Deus


“Em oposição a ambos os sistemas [pelagianismo e agostinianismo], ele [Cassiano] pensava que a imagem divina e a liberdade humana não haviam sido aniquiladas, mas apenas enfraquecidas pela queda; em outras palavras, que o homem estava doente mas não morto, que não podia, de fato, ajudar-se, mas podia desejar a ajuda de um médico e aceitá-la ou recusá-la quando oferecida, e que ele devia cooperar com a graça de Deus na sua salvação. À questão sobre qual dos dois fatores tem a iniciativa, ele responde de forma completamente empírica: que algumas vezes, e, de fato normalmente, a vontade humana, como nos casos do Filho Pródigo, Zaqueu, do Ladrão Penitente e de Cornélio, orienta-se para a conversão; algumas vezes a graça a antecipa e, como com Mateus e Paulo, retira a vontade resistente — porém, mesmo nesse caso, sem coerção — a Deus. Aqui, consequentemente, a gratia praeveniens é manifestamente negligenciada.”
Philip Schaff, History of the Christian Church, 8 vols. (1907-10; Grand Rapids: Eerdmans, 1952-53), 3:861 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 68.


“O problema dos semipelagianos foi ensinar que a natureza humana, de si mesma, podia dar o primeiro passo em direção a Deus (initium fidei ou fé inicial). Em outros termos, eles opinavam que o ser humano é salvo somente pela graça de Deus, mas esse processo começa com a iniciativa de uma boa disposição do coração humano para com Deus.
A declaração mais famosa e controvertida de Cassiano foi aquela em que, na sua obra Conferências, ao referir-se ao princípio da boa-vontade para com Deus, ele disse que Deus aumenta “aquilo que Ele mesmo implantou ou que percebeu ter nascido de nosso próprios esforços.” Seus adversários agostinianos, como Próspero de Aquitânia, alegaram com razão que isso não era muito diferente do pelagianismo.
Em síntese, o semipelagianismo é a idéia de que a natureza e a iniciativa humanas, por si sós, sem a graça sobrenatural auxiliadora, são capazes de provocar a resposta de Deus no sentido de conceder a graça salvífica.”
Herminstein Maia Pereira da Costa. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Editora Mundo Cristão, pág. 95, disponível em: http://books.google.com.br/books?id=_u6isxgndmoC&pg=PA94&lpg=PA94&dq=semipelagianismo+e+a+igreja+catolica&source=bl&ots=Q5xQppo2cP&sig=zIORJ5Rp4b_vIgWGZ7KqJMxukMQ&hl=pt-BR&sa=X&ei=v3VCVMOfBY-7ggTe54HIDQ&ved=0CEUQ6AEwBw#v=onepage&q=semipelagianismo%20e%20a%20igreja%20catolica&f=false. Acessado em 18 de outubro de 2014.


O SÍNODO DE ORANGE (529)

O debate entre os defensores de Agostinho e de Cassiano espalhou-se pela Europa e atingiu seu clímax no Sínodo de Orange, que condenou o semipelagianismo.

“Em Orange, os bispos católicos condenaram os principais aspectos do semipelagianismo, endossaram o conceito que Agostinho tinha da necessidade e total suficiência da graça e condenaram a crença na predestinação divina para o mal ou para a perdição. Como Agostinho nunca chegou a afirmar especificamente que Deus predestina alguém ao pecado ou ao inferno, seus próprios ensinos passaram pelo Sínodo de Orange sem serem em nada criticados, mas também sem serem plenamente confirmados. O sínodo não defendeu a predestinação de nenhuma forma. Entretanto, exigiu a crença que qualquer ato de bondade ou retidão dos seres humanos é resultado da graça de Deus que opera neles.
A teologia católica ortodoxa, a partir de então, incluiria as idéias de que a graça de Deus é a única origem e causa de todos os atos de retidão humana e que os homens não são capazes de realizar obras merecedoras da salvação sem a graça auxiliadora. Todavia, como o Sínodo de Orange deixou em aberto a questão da livre cooperação humana com a graça, a Igreja Católica passou a incluir e enfatizar um sistema de obras meritórias que são necessárias como credenciais de graça e isso se reverteu a favor de um tipo de sinergismo no qual o livre-arbítrio precisa cooperar com a graça para que a salvação chegue à consumação perfeita”.
O Concílio de Orange. Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto, Cuiabá-MT, 15 de março de 2004. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/credos/orange.htm. Acessado em 18 de outubro de 2014.


“Essa controvérsia foi encerrada em 529 pelo Sínodo de Orange, no sul da França, que condenou os principais aspectos da teoria semipelagiana, afirmou o conceito agostiniano da necessidade e total suficiência da graçae condenou a crença na predestinação para o mal ou para a perdição. Com seu agostinianismo atenuado, o sínodo insistiu que todo ato de retidão dos serem humanos é resultado da graça divina que neles atua; no entanto, deixou em aberto a questão da livre cooperação humana com a graça. Toda a ênfase foi colocada na graça dada no batismo.
Com isso a Igreja adotou na prática um tipo de sinergismo em que o livre-arbítrio precisa cooperar com a graça para que a salvação se complete. Apesar de oficialmente condenado, o semipelagianismo tornou-se a teologia popular mais aceita por grande parte do catolicismo medieval, com sua ênfase em obras meritórias e no sistema penitencial, que remontava ao século III com Cipriano de Cartago.”
Herminstein Maia Pereira da Costa. Fundamentos da Teologia Reformada. São Paulo: Editora Mundo Cristão, pág. 95, disponível em: http://books.google.com.br/books?id=_u6isxgndmoC&pg=PA94&lpg=PA94&dq=semipelagianismo+e+a+igreja+catolica&source=bl&ots=Q5xQppo2cP&sig=zIORJ5Rp4b_vIgWGZ7KqJMxukMQ&hl=pt-BR&sa=X&ei=v3VCVMOfBY-7ggTe54HIDQ&ved=0CEUQ6AEwBw#v=onepage&q=semipelagianismo%20e%20a%20igreja%20catolica&f=false. Acessado em 18 de outubro de 2014.


Fundamentos bíblicos para refutação do semipelagianismo:

A alma que pecar, essa morrerá (...). Ez 18:20

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Rm 5:12

porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. Rm 6:23

Fui buscado pelos que não perguntavam por mim; fui achado por aqueles que não me buscavam; a um povo que não se chamava do meu nome, eu disse: Eis-me aqui, eis-me aqui.         Is 65:1

(...) Ao Senhor pertence a salvação. Jn 2:9

Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus. Fp 1:6

porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fp 2:13

Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Ef 2:8

Porque sem mim nada podeis fazer. Jo 15:5

Porque tudo vem de ti, e das tuas mãos to damos. I Cr 29:14

Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.         Jo 8:36

O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe for dada. Jo 3:27

QUADRO COMPARATIVO SOBRE DOUTRINAS HISTÓRICAS
DOUTRINA
PELAGIANA
AGOSTINIANA
SEMIPELAGIANA
PRINCIPAIS DEFENSORES 
Pelagio, Julião de Eclano, Celéstio 
Agostinho de Hipona
João Cassiano
VISÃO SOBRE HOMEM 
A natureza humana é inocente e pura, o homem nasce sem culpa ou pecado, é uma criatura perfeita.
A natureza humana é pecaminosa, o homem por si só não é salvo, depende única e exclusivamente de Deus.
A natureza humana é pecaminosa, mas o homem que buscar encontrará Deus.
VISÃO SOBRE O PECADO 
O homem não é pecador por natureza, ele a capaz de viver sem pecar. O pecado de Adão não afetou seus descendentes.
O homem nasce pecador como consequência do pecado inicial de Adão.
O homem nasce pecador como consequência do pecado inicial de Adão.
VISÃO SOBRE O BATISMO 
O homem é inocente, não necessita do batismo. O batismo serve apenas para o homem se unir com Jesus Cristo.
O batismo representa a limpeza do pecado realizada por Deus.
O batismo representa a limpeza do pecado realizada por Deus.
VISÃO SOBRE A GRAÇA DE DEUS 
A graça não é essencial para a salvação, ela apenas auxilia o homem. A recompensa de Deus é fruto natural do esforço do próprio homem.
A graça é essencial à salvação e é dada por Deus apenas aos eleitos. Após a conversão, ela é o instrumento que mantém o homem afastado do mal, pois sem ela o homem é fraco e cairá novamente. 
O homem dá o primeiro passo em direção a Deus. A graça é alcançada segundo o esforço do homem em fazer o bem e seguir a vontade de Deus.
VISÃO SOBRE A SALVAÇÃO 
Única e exclusivamente do homem. O homem realiza a sua escolha.
Deus escolhe o homem segundo a sua vontade. Somente os eleitos serão salvos.
O homem dá o primeiro passo em direção a Deus, e só então Deus age com graça e concede a salvação.


CONCLUSÕES

- Principais doutrinas do semipelagianismo: o homem caído ainda tem condições de buscar a Deus; a graça de Deus pode ser resistida pelo homem;

- Quem dá o primeiro passo para a salvação? Para os semipelagianos é o homem; para Agostinho é Deus;

- O Sínodo de Orange (529) condenou o semipelagianismo;

- A doutrina da graça defendida por Agostinho é a única verdadeiramente bíblica e que reconhece que toda a glória pertence a Deus (Soli Deo Gloria).


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Soberania de Deus na salvação - aula 04 - A controvérsia entre Pelágio e Agostinho


SOBERANIA DE DEUS NA SALVAÇÃO


AULA 04


A CONTROVÉRSIA ENTRE PELÁGIO E AGOSTINHO




TÓPICOS DA AULA

- Biografia de Pelágio

- A doutrina da graça para Pelágio

- Biografia de Agostinho

- A doutrina da graça para Agostinho



BIOGRAFIA DE PELÁGIO


Nascimento: 354* (Grã-Bretanha)
Falecimento: 429* (local incerto)
* Datas aproximadas

Estudou teologia e falava grego e latim fluentemente. Apesar de ter sido monge durante anos, nunca chegou a ser bispo (presbítero).

Estabeleceu-se em Roma por volta de 405, depois viajou para África do Norte e Palestina.

É possível que sua condenação pelo Concílio de Éfeso (431) tenha ocorrido após a sua morte.



A DOUTRINA DA GRAÇA PARA PELÁGIO


O princípio controlador do pensamento de Pelágio era a convicção de que Deus nunca ordena o que é impossível para o homem realizar.

Ele propôs o seguinte questionamento: A assistência da graça é necessária para o ser humano obedecer aos comandos de Deus? Ou esses comandos podem ser obedecidos sem essa assistência?

O pensamento de Pelágio pode ser resumido em 18 premissas:

1- Os mais altos atributos de Deus são sua retidão e justiça.

2- Tudo que Deus criou é bom.

3- Como algo criado, a natureza não pode ser mudada na sua essência.

4- A natureza humana é inalteravelmente boa.

5- O mal é um ato que nós podemos evitar.

6- O pecado vem por intermédio de armadilhas satânicas e concupiscência sensual.

7- Pode haver homens sem pecado.

8- Adão foi criado com livre-arbítrio e santidade moral.

9- Adão pecou por livre vontade.

10- A descendência de Adão não herdou dele a morte natural (Adão morreria mesmo se não tivesse cometido pecado).

11- Nem o pecado de Adão nem sua culpa foram transmitidos.

12- Todos os homens são criados como Adão antes da queda.

13- O hábito de pecar enfraquece a vontade de fazer o bem.

14- A graça de Deus facilita a bondade mas não é necessária para se alcançá-la.

15- A graça da criação produz homens perfeitos.

16- A graça da lei de Deus ilumina e instrui.

17- Cristo trabalha principalmente pelo seu exemplo.

18- A graça é dada de acordo com a justiça e mérito.

R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 35-36.


“O discurso de Pelágio era guiado por interesses morais, e sua teologia foi feita para estimular o aprimoramento moral e social.
Para ele, a ênfase de Agostinho na necessidade humana e na graça divina iria certamente paralisar a busca da santificação, visto que as pessoas iriam passar a pecar constante e impunemente.
Dessa forma, Pelágio reagiu rejeitando a doutrina do pecado original. De acordo com ele, Adão foi meramente um mal exemplo, e não o autor de nossa natureza pecaminosa – somos pecadores porque temos pecados – e não o contrário. Consequentemente, é claro, o Segundo Adão, Jesus Cristo, foi apenas um bom exemplo. A salvação, dessa forma, consiste simplesmente em seguir o exemplo de Jesus em vez do de Adão.
O que os homens e mulheres precisam é de uma direção moral, não de um novo nascimento; assim sendo, Pelágio viu a salvação em termos meramente naturais: seria o progresso do caráter humano, por seguir o exemplo de Cristo.”
Michael S. Horton. Pelagianismo: A Religião do Homem Natural. Primeira Parte: Um Pouco de História, disponível em: http://www.monergismo.com/textos/arminianismo/pelagianismo.htm . Acessado em 27.09.2014.


“Se a natureza humana não é corrupta, e a vontade natural é competente para todo o bem, não precisamos de um Redentor para criar em nós uma nova vontade e uma nova vida, mas apenas de alguém que nos melhore e enobreça; e a salvação é, essencialmente, obra do homem. O sistema pelagiano realmente não tem lugar para as ideias de redenção, expiação, regeneração e nova criação. Ele as substituiu pelos nossos próprios esforços de aperfeiçoar nossos poderes naturais e a mera adição da graça de Deus como suporte e ajuda valiosa. Foi somente por uma infeliz inconsistência que Pelágio e seus adeptos tradicionalmente permaneceram nas doutrinas da igreja da Trindade e da pessoa de Cristo. Logicamente, seu sistema conduz a uma Cristologia racionalista.”
Philip Schaff. History of the Christian Church, 8 vols. (1907-10); Grand Rapids: Eerdmans, 1952-53), 3:815 in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 39.


O pelagianismo foi condenado por vários concílios da Igreja:

   412: Sínodo de Cartago excomungou Coelestius, um discípulo de Pelágio;
   418: Concílios de Cartago e Milevis;
   430: o imperador oriental Teodósio II baniu os pelagianos do Leste;
   431: Concílio de Éfeso;
   529: Segundo Concílio de Orange.
Michael S. Horton. Pelagianismo: A Religião do Homem Natural. Primeira Parte: Um Pouco de História, disponível em: http://www.monergismo.com/textos/arminianismo/pelagianismo.htm . Acessado em 27.09.2014.



BIOGRAFIA DE AGOSTINHO


Nascimento: 354 (Tagaste , África do Norte)
Falecimento: 430 (Hippo, África do Norte)
*África do Norte é a atual Argélia

386: converte-se ao Cristianismo
391: ordenado sacerdote em Hippo
396: torna-se bispo único em Hippo


“Foi pelo mau uso do seu livre-arbítrio que o homem o destruiu e a si mesmo também.” Agostinho



A DOUTRINA DA GRAÇA PARA AGOSTINHO


Agostinho buscou responder às seguintes perguntas:
   O que é necessário para o homem caído recuperar-se para o bem de Deus?
   Como uma criatura que é má se recupera dessa condição e ser torna boa?
   Como uma criatura que é alienada de Deus e indisposta com relação a Deus, encontra seu caminho de volta para Deus?

Para ele, a resposta estava na graça de Deus.
R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 45.


Características da graça:

- Livre: não é merecida nem conquistada;

- Indispensável: é condição necessária para a salvação;

- Preveniente: vem antes que o pecador possa se recuperar;

- Irresistível: é eficaz, executa o propósito de Deus;

- Infalível: a libertação é perfeita, sem falhas.

R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 45.


Consequências da queda:

1- A própria queda
2- A perda da liberdade
3- A obstrução do conhecimento
4- A perda da graça de Deus
5- A perda do paraíso
6- A presença da concupiscência
7- A morte física
8- A culpa hereditária (o pecado original)

R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 49-53.


“O pecado [de nossos primeiros pais] foi um desprezo à autoridade de Deus. Deus criou o homem; ele o fez à sua própria imagem; ele o estabeleceu acima dos outros animais; ele o colocou no Paraíso; o enriqueceu com todo tipo de abundância e segurança; não lhe impôs nem muitos, nem grandes nem difíceis mandamentos mas, a fim de tornar uma obediência sadia fácil para ele, deu-lhe um único pequeno e leve preceito pelo qual lembraria à criatura, cujo culto deveria ser livre, de que ele era Senhor. Consequentemente, foi justa a condenação que se seguiu e uma condenação tal que o homem, que pela manutenção dos mandamentos deveria ter sido espiritual até mesmo em sua carne, se tornou carnal até mesmo em seu espírito.
 E assim como em seu orgulho, ele buscou ser sua própria satisfação. Deus, em sua justiça, o abandonou a si mesmo, não para viver na independência absoluta que ansiava mas, no lugar da liberdade que desejava, para viver insatisfeito consigo mesmo numa sujeição dura e miserável a quem, pelo pecado, havia se submetido. Ele foi condenado, a despeito de si mesmo, a morrer em corpo assim como havia se tornado, por vontade própria, morto em espírito, condenado até mesmo à morte eterna (não tivesse a graça de Deus o libertado) porque havia renunciado à vida eterna. Qualquer um que pense que esse castigo foi excessivo ou injusto, mostra sua inabilidade para medir a grande iniquidade de pecar na qual o pecado podia tão facilmente ser evitado.”
Agostinho. The City of God, in Agostinho, Basic Writings, 2:260 (14.15) in R. C. Sproul. Sola Gratia; traduzido por Denise Pereira Ribeiro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, pág. 54.



CONCLUSÕES


- Doutrina de Pelágio: a natureza humana é inalteravelmente boa; pode haver homens sem pecado; Adão morreria mesmo se não tivesse cometido pecado; nem o pecado de Adão nem sua culpa foram transmitidos; a graça de Deus facilita a bondade mas não é necessária para alcançá-la;

- O pelagianismo foi condenado por vários concílios da Igreja;

- Agostinho defendia que somente pela graça de Deus o homem caído poderia ser reconciliado com seu Criador;

- Características da graça de Deus: livre, indispensável, preveniente, irresistível e infalível.