Ora, em toda a terra havia apenas uma
linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente,
deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos
outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de
pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma
cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso
nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Então, desceu o Senhor
para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor
disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o
começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos
e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de
outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e
cessaram de edificar a cidade. Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque
ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou
por toda a superfície dela. Gênesis 11.1-9
1.
Um povo duplamente
amaldiçoado
Ora, em toda a terra havia apenas uma
linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente,
deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. Gn 11.1-2
O
autor do texto bíblico inicia essa passagem nos informando que todos os seres
humanos se comunicavam utilizando o mesmo idioma. Isso certamente tornava a
comunicação entre eles extremamente fácil. Um dos grandes desafios atuais para
todos que querem crescer profissionalmente é aprender outros idiomas, para
aumentar a rede de contatos e as possibilidades de desenvolvimento. Naquele
tempo, isso não era um problema.
O
versículo 2 nos conta que uma parte do povo resolveu partir do Oriente, ou
seja, de uma terra próxima ao Jardim do Éden, e foi habitar na terra de Sinar.
Gn 10.10 nos mostra que esse povo era os filhos de Cam, segundo filho de Noé.
Os filhos de Cam: Cuxe, Mizraim, Pute
e Canaã. Os filhos de Cuxe: Sebá, Havilá, Sabtá, Raamá e Sabtecá; e os filhos
de Raamá: Sabá e Dedã. Cuxe gerou a Ninrode, o qual começou a ser poderoso na
terra. Foi valente caçador diante do Senhor; daí dizer-se: Como Ninrode,
poderoso caçador diante do Senhor. O
princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar.
Gn 10.6-10
O
capítulo 9 de Gênesis nos mostra que Cam foi o filho amaldiçoado por Noé, pela
sua reação ao ter visto a nudez do pai.
Logo,
o texto objeto de nossa meditação nos apresenta os filhos de Cam (que havia
sido amaldiçoado por Noé) indo habitar longe do Jardim do Éden (que era a terra
da bênção especial do Deus Criador).
Portanto,
esse povo carregava dupla maldição paterna: haviam sido amaldiçoados tanto pelo
pai terreno quanto pelo pai celestial.
2.
O plano e a motivação
do povo
E disseram uns aos outros: Vinde,
façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o
betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma
torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que
não sejamos espalhados por toda a terra. Gn 11.3-4
Os
versículos 3 e 4 nos contam que esse povo era inteligente, eles inventaram uma
forma de construção de casas. Sem dúvida, podemos ver claramente a graça de
Deus ao preservar a capacidade intelectual do ser humano mesmo após a
desobediência e a queda.
O
povo teve a ideia de edificar uma cidade. Essa cidade, chamada Babel, mais
tarde se chamaria Babilônia.
Isso
nos aponta para a atitude de Caim (Gn 4.17), que tentou superar as dificuldades
enfrentadas construindo uma cidade.
E coabitou Caim com sua mulher; ela
concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o
nome de seu filho. Gn 4.17
Além
da cidade, o povo resolveu construir uma torre “cujo topo chegasse até aos
céus”.
O
texto bíblico não deixa dúvidas quanto à motivação para a construção da torre:
tornar célebre o nome daquele povo, para que não fossem espalhados por toda a
terra.
“Tornar
célebre o nosso nome”. Esse era o primeiro objetivo daquele povo, e revelava o
intento dos seus corações: assim como Adão e Eva, aquele povo desejava ser
importante, ter um nome marcante e inesquecível. No fundo, eles desejavam ser
como Deus.
Que
pecado terrível! Aquele povo queria ter um nome grande, glorioso. Eles
ignoraram completamente o fato de que somente Deus tem o nome exaltado, somente
ele deve ser adorado e lembrado de gerações em gerações.
Aquele cujo braço glorioso ele fez
andar à mão direita de Moisés? Que fendeu as águas diante deles, criando para si um nome eterno?
Is 63.12
A
segunda motivação do povo para a construção da alta torre era “não ser
espalhado por toda a terra”.
Novamente,
o povo ignorou uma das importantes ordens dadas por Deus quando da criação do
primeiro casal:
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede
fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos
céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. Gn 1.28
Encher
a terra foi uma ordem dada por Deus a Adão e Eva. Essa ordem foi repetida a
Noé:
Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e
lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Gn 9.1
A
ordem do Criador foi que seu povo habitasse toda a terra criada, para que
houvesse representantes do seu reino em toda a parte. Mas o povo desobedeceu a ordem
e trabalhou para permanecer unido em um lugar distante de Deus.
3.
As ações divinas
Então, desceu o Senhor para ver a
cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o Senhor disse: Eis
que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora
não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Gn 11.5-6
O
povo se esqueceu de que Deus não estava ausente. O Criador “desceu para ver a
cidade e a torre”. Essa expressão é semelhante a outras passagens bíblicas nos
quais Deus se moveu em direção ao homem.
E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe
perguntou: Onde estás? Gn 3.9
Viu Deus a terra, e eis que estava
corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Gn
6.12
A
atitude daquele povo foi tão horrenda que motivou o Senhor de toda a terra a
“descer do seu trono” para ver o que se passava.
Acaso, não sabeis? Porventura, não
ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os
fundamentos da terra? Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra,
cujos moradores são como gafanhotos; é ele quem estende os céus como cortina e
os desenrola como tenda para neles habitar; é ele quem reduz a nada os
príncipes e torna em nulidade os juízes da terra. Is 40.21-23
O
texto bíblico nos afirma que o Senhor apontou o fato de todo o povo ter o mesmo
idioma como um dos facilitadores para o desenvolvimento de outros planos
pecaminosos: “Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que
intentam fazer”.
Como
Deus santo e justo era, é e sempre será, o Senhor não deixaria impune aqueles
pecados cometidos pelo povo.
Então,
Deus agiu.
Vinde, desçamos e confundamos ali a
sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor
os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade.
Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a
linguagem de toda a terra e dali o Senhor os dispersou por toda a superfície
dela. Gn 11.7-9
Deus
confundiu a linguagem do povo, de forma que passou a ser impossível entender o
que cada um dizia. A facilidade de comunicação vivenciada por eles, e utilizada
para o mal, para afrontar o Criador, foi retirada pelo Deus Supremo. Ao invés
de uma língua, agora existiam diversos idiomas.
A
variedade de idiomas criados por Deus impediu que aquele povo permanecesse
unido. Cada pessoa foi obrigada a procurar aqueles que falavam sua própria
língua. A unidade absoluta pretendida por aquele povo não era mais possível.
Os
babilônicos afirmavam que Babel significava “o portão de deus”, mas na verdade
significa “confusão”, que foi exatamente o que Deus provocou àquele povo ímpio
e irreverente.
4.
Esperança para o povo
de Deus
O
que podemos aprender com esse texto?
Deus
dispersou os autoconfiantes. Para o Senhor, não existem planos humanos
irresistíveis. O plano de construção da torre de Babel nos lembra da construção
do navio Titanic, que foi tido como indestrutível, como o mais seguro navio já
construído pela humanidade. Todos sabem da história: em sua primeira viagem, o
navio afundou após colidir com uma pedra de gelo (iceberg), o que causou a
morte de mais de 1.200 pessoas.
As
Escrituras Sagrada nos ensinam que Deus não se agrada de pessoas soberbas,
arrogantes, autoconfiantes.
Ele escarnece dos escarnecedores, mas
dá graça aos humildes. Pv 3.34
Todavia, dá maior graça. Portanto diz:
Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes. Tg 4.6
Semelhantemente vós, os mais moços,
sede sujeitos aos mais velhos. E cingi-vos todos de humildade uns para com os
outros, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. 1Pe 5.5
O
livro de Gênesis foi escrito por Moisés no momento da caminhada do povo de
Israel no deserto, rumo à terra prometida. Naquele momento, em meio a grandes
nações ímpias, e diante das cidades fortificadas de Canaã, o povo foi instado a
relembrar quem era o Deus Criador a quem serviam: o Deus vivo, todo-poderoso e
diligente, que age em favor do seu povo.
Essa
mensagem de esperança também foi importante no exílio, quanto a Babilônia era a
cidade mais importante do mundo. Mesmo naquele tempo, o povo de Deus podia
confiar e esperar o cumprimento da promessa:
Ainda que a Babilônia subisse aos céus
e ainda que fortificasse no alto a sua fortaleza, de mim viriam destruidores
contra ela, diz o Senhor. Jr 51.53
A
dispersão do povo em Babel renovou a esperança do povo de Israel no poder do
seu Deus.
Deus
espalhou o povo em Babel para restaurar o seu reino. O capítulo 12 de Gênesis
narra o chamamento de Abrão pelo Senhor, para, por meio daquele homem,
constituir uma grande nação.
A
promessa de redenção de Gênesis 3.15 permanecia viva! Deus não havia se
esquecido de sua promessa. Ele dispersou os arrogantes e chamou para si um
homem que não o procurava. Deus puniu os pecadores e foi ao encontro daquele
que seria o pai de uma grande nação, daquele que abençoaria todas as famílias
da terra (Gn 12.3).
Cristo
cumpriu essa promessa, ao morrer e ressuscitar, o que significou a redenção e a
nova vida dos seus filhos.
No
Pentecostes, Deus reuniu, ao menos em parte, as nações que foram espalhadas em
Babel.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que
falassem Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de
todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a
multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. At 2.4-6
Em
contraste com Babel, que representa a cidade da autonomia e do poder humanos, o
Pentecostes, ocorrido em Jerusalém, representa a cidade da confiança em Deus e
da busca por obedecer à sua vontade.
5.
Conclusão
Vivemos
em um tempo de grandes realizações pelo ser humano: internet em altíssima
velocidade, informação instantânea, grandes invenções etc. Lamentavelmente,
muitos homens e mulheres têm utilizado a capacidade intelectual dada por Deus
para se afastar Dele e afrontá-lo.
Nós,
cristãos, vivemos neste mundo, e temos sido impulsionados à tentação da
autoconfiança e a negar nossa fé e abraçar crenças contrárias à Palavra e à
vontade Deus.
Não
devemos temer e muito menos ceder! Nós cremos e servimos ao Deus Soberano, o
Deus presente, que tudo vê, que age e que nos sustenta debaixo de Sua mão.
Deus
não está morto! Deus está vivo e ativo, edificando sua igreja a cada momento.
Cristo é nosso advogado e nosso Senhor, ele intercede por nós e nos defende de
todo o mal.
Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim não
há salvador. Eu anunciei salvação, realizei-a e a fiz ouvir; deus estranho não
houve entre vós, pois vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor; eu sou
Deus. Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém
das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? Is 43.11-13
Prossigamos
com fé, esperança e alegria rumo à pátria celestial!
Soli Deo Gloria
[1] Extraído
e adaptado de: Greidanus, Sidney. Pregando Cristo a partir de Gênesis;
traduzido por Marcos José Soares de Vasconcelos. São Paulo: Cultura Cristã,
2009, p. 145-164.