segunda-feira, 25 de abril de 2016

Teologia Sistemática 1 - aula 01 - Introdução


TÓPICOS DA AULA
1. Explicação do termo
2. Objeto de estudo
3. A sede da religião
4. Origem da religião
5. Método de estudo
6. Fontes
6.1. Revelação Geral
6.2. Revelação Especial
7. Bibliografia


1. EXPLICAÇÃO DO TERMO
Teologia Sistemática é a matéria que se ocupa do estudo das doutrinas cristãs organizadas por assuntos, geralmente de maneira “cronológica”, a fim de que o estudante consiga acumular conhecimento “organizado” à medida que avança no estudo de cada tema. Todos os assuntos relevantes para a religião cristã são agrupados em grandes áreas comuns e estudados profundamente.

Geralmente, os principais teólogos dividem esses assuntos em três grandes áreas de estudo dentro da Teologia Sistemática: o estudo de Deus, o estudo do homem e o estudo da Redenção.


2. OBJETO DE ESTUDO
De forma genérica, o objeto de estudo da Teologia Sistemática é o Ser de Deus, suas obras e Seu relacionamento com a criação (em especial com o homem). Todos os temas relevantes para os cristãos decorrem desse objeto de estudo.


3. A SEDE DA RELIGIÃO
Muitos estudiosos têm tentado explicar qual o lugar (a sede) da religião na vida do homem. Existem três interpretações principais a este respeito.

Conhecimento / intelecto: A religião é conhecer Deus intelectualmente. O desenvolvimento intelectual do homem o permitirá obter um conhecimento mais amplo, mais extensivo a respeito de Deus. Filosofia, cultura em geral e ciência são muito valorizadas por ampliarem os horizontes de conhecimento do homem. A religião é vista como um “estágio inferior” pelo qual o homem tem que passar para atingir a plenitude do conhecimento, representada pela filosofia, que o proporcionará o bem maior, a paz mental.

Essa linha de pensamento erra ao tratar a religião como uma “ideia inferior” e necessária apenas para levar o homem ao “verdadeiro conhecimento” representado pela filosofia. Apesar de importante em sua área de atuação, a filosofia não se confunde e nem suplanta a necessidade da religião. A religião é a única capaz de mostrar ao homem que o Deus Criador é também o seu Deus pessoal e que, dentre várias outras coisas, o homem necessita desesperadamente de redenção. Logo, a ideia de que a sede da religião é apenas o intelecto é insuficiente e não se sustenta.

Vontade / moral: A religião se resume no amor, no esforço para viver uma vida virtuosa e obediente. A teoria é minimizada em favor da prática de uma moralidade superior. Não é necessário gastar tanto tempo com ideias teóricas sobre Deus e o homem, mas é preciso aproveitar esse tempo para viver a prática. A religião consiste em conhecer os imperativos (as ordens) divinos para obedecê-los. A dogmática é subordinada à ética. Existe uma supervalorização da vontade. Tal ideia é fortemente abraçada pelos pelagianos e semipelagianos (arminianos).

A supervalorização da vida virtuosa pode, em princípio, parecer uma boa prática a ser seguida. Afinal, se as pessoas forem mais virtuosas, praticarem mais atos moralmente aceitáveis, isso implicará em um mundo melhor para todos. Porém, essa lógica não é verdadeira. A valorização extrema da vida prática esconde um grande perigo: os homens só praticam aquilo que entendem como certo, ou seja, qualquer pessoa faz aquilo que aprendeu e entendeu como correto. Logo, não há prática sem conhecimento. Não há como defender que a sede da religião é a vontade, pois para que a vontade seja exercida é necessário que o homem tenha conhecimento do que pode ser feito. Não há como decidir ser “amoroso” ou “bondoso” sem saber o verdadeiro significado de “amor” e “bondade”. A própria moral está ancorada nos atributos divinos que são comunicados ao homem por meio da revelação. Sem o parâmetro divino, a moral torna-se uma questão extremamente subjetiva e mutável de acordo com a cultura e o momento histórico. Além disso, pessoas, costumes e a moralidade em geral não podem constranger a consciência de uma pessoa, não são capazes de modificar o caráter de alguém. Somente Deus pode fazer isso. A prática de uma moral desassociada do correto conhecimento a respeito de Deus é apenas uma ilusão.

Sentimento: A religião é a percepção, o sentimento do divino. O homem deve buscar a contemplação do belo, do ideal, da poesia, da perfeição constantes no divino. Supervalorização do estético e das emoções. O coração é o centro da religião.

Essa interpretação contém o grande risco de confundir o sentimento religioso com o sentimento sensual e estético. A supervalorização da prática amorosa desacompanhada da correta instrução intelectual pode conduzir ao exercício do amor sensual em lugar do verdadeiro amor religioso. Por fim, a prática estética e o esforço na construção do belo não são capazes de conduzir o homem ao arrependimento, à confissão de pecados, à consciência da necessidade de perdão e de redenção. O teatro não pode substituir a Igreja.

Essas três interpretações são insuficientes para explicar a sede da religião exatamente porque a religião não é limitada a apenas uma faculdade humana. A religião abrange a totalidade do ser humano: mente, vontade e coração. A religião é apreendida pelo homem através da mente, penetra o coração, leva-o a uma vida de adoração e transforma sua vontade, capacitando-o a cumprir os mandamentos de Deus.

Por esta razão, todas as áreas da vida humana são afetadas e influenciadas pela religião: a ciência, a moralidade e a arte; o dogma, a lei e o culto; a família, a sociedade e o estado. A religião é o fundamento da verdade, do bem e da beleza. Não há como viver sem a religião, pois dela emergem os absolutos tão necessários para a formação do caráter individual e da ética coletiva.

“(...) Na vida e na história da humanidade, ela ocupa um lugar independente só seu, desempenhando um papel exclusivo e totalmente controlador. Sua indispensabilidade pode até mesmo ser demonstrada pelo fato de que toda vez que as pessoas rejeitam a religião como uma ilusão, elas novamente se voltam a alguma criatura como seu deus, tentando, assim, compensar sua necessidade religiosa de alguma forma. (...)”[1]


4. ORIGEM DA RELIGIÃO
Antes de ser possível estudarmos os assuntos relacionados à Teologia Sistemática, é importante pensarmos um pouco à respeito da seguinte questão: Qual é a origem da religião?

Essa é um pergunta intrigante e que sempre ocupou a mente dos estudiosos. Os historiadores foram os primeiros a tentarem formular uma resposta. Eles sugeriram que a religião foi “descoberta” pelo homem em algum momento da história. Contudo, essa hipótese não conseguiu se sustentar por muito tempo, pois mesmo entre os povos mais primitivos já descobertos foram encontrados sinais de adoração a algum ser superior, ou seja, sinais do exercício de algum tipo de religião. Até hoje não se tem notícia de nenhum povo ateu, que não adorava algum “deus” ou ser superior, ainda que fosse o sol ou o fogo.

A segunda tentativa de explicar a origem da religião foi a partir do aspecto psicológico. A religião nasceu do medo (temor) dos homens em relação à natureza. A fim de tentar conservar sua existência, os homens tiveram a ideia de pedir ajudar a um “poder superior”. A adoração de tal “poder” seria uma forma de agradá-lo e de fazer com que ele viesse em auxílio dos homens contra as poderosas forças da natureza. Tal hipótese também não se sustenta: 1- Não resolve o problema histórico, pois todas as civilizações conhecidas adoravam algum deus, logo, não há explicação para quais foram os primeiros homens a instituírem a religião em seu cotidiano; 2- O grande desenvolvimento científico e tecnológico obtido pelo homem deveria ter sido suficiente para afastar o temor em relação à natureza. O homem “tecnológico” não precisaria mais da “ajuda” da religião. Entretanto, ao contrário disso, a realidade nos mostra um grande paradoxo: o homem desenvolveu a tecnologia de forma jamais vista antes, tem grande conhecimento a respeito da natureza, contudo, de forma majoritária permanece fortemente religioso. 3- Nessa hipótese constata-se que não é Deus quem criou o homem, mas sim o homem quem criou um deus conforme suas necessidades, o que vai de encontro à própria ideia de religião, que é adorar um ser superior, mais poderoso. A lógica desse ponto de vista não se sustenta, pois um ser inferior não tem condições de criar um ser superior para chamá-lo de “deus” e adorá-lo.

As hipóteses histórica e psicológica não são suficientes para explicar a origem da religião porque partem do ponto de partida equivocado. Qualquer tentativa de explicar a origem da religião a partir do homem será frustrada, pois a religião não foi criada pelo homem, a adoração a um ser superior não partiu do homem para satisfazer suas necessidades. A religião foi criada por Deus, a necessidade de adoração foi instituída por Deus e colocada no coração do homem quando ele foi criado.

Aqui, ficamos apenas com duas opções: 1- a religião é tolice porque Deus não existe ou, se existe, é totalmente incognoscível; ou 2- a religião é verdadeira, mas requer e pressupõe a existência e a revelação de Deus em um sentido rigorosamente lógico e científico. Logo, todos que admitem a existência da religião (e a prática de todos os povos conhecidos comprova sua efetiva existência) são forçados a admitir que a religião somente é possível em razão da existência de Deus e de sua autorrevelação ao homem.

“(...) A conclusão da investigação acima não pode ser outra senão que temos de escolher outro ponto de partida e seguir outro método. A essência e a origem da religião não podem ser explicadas por meio dos métodos histórico e psicológico: seu direito de existir e seu valor não podem ser mantidos por esses meios. Não é possível (tentar) entender a religião sem Deus. Deus é o grande pressuposto da religião. Sua existência e sua revelação são o fundamento sobre o qual repousa toda religião humana. (...)”[2]


5. MÉTODO DE ESTUDO
Como dito em tópico anterior, para ser possível existir religião é necessário que Deus se revele ao homem. A revelação é o requisito indispensável em todas as religiões existentes. O homem somente pode conhecer algo a respeito de Deus se o próprio Deus se revelar ao homem. O finito, o limitado, o ser criado não tem condições de descobrir qualquer coisa a respeito do infinito, do ilimitado, do Criador, exatamente porque lhe falta capacidade de sequer se aproximar de Deus. A religião ocorre por meio de uma relação do homem com Deus, e para isso ser possível é necessário que Deus se faça cognoscível ao homem.

A necessidade da revelação é comprovada por outra consideração. O objetivo principal do homem na religião é obter a salvação, a redenção, a libertação do mal. A grande pergunta é: O que devo fazer para ser salvo? A religião é o meio utilizado pelo homem para obter de Deus a resposta para essa pergunta crucial. E essa resposta só pode ser obtida através da comunicação de Deus com o homem. É Deus quem se revela ao homem e diz o que ele precisa fazer para ser salvo.

Logo, o método de estudo da Teologia Sistemática compreende o exame exaustivo, tanto quando possível, das fontes por meio das quais Deus se revelou ao homem.


6. FONTES
Quais são as fontes que Deus utilizou para revelar-se, descobrir-se ao homem? A Teologia Sistemática distingue duas fontes de revelação divina: a geral e a especial.

6.1. REVELAÇÃO GERAL
A revelação geral compreende a criação e as relações gerais de Deus com o homem. Por meio da criação, Deus revelou ao homem vários dos seus atributos (características), como poder, conhecimento, bondade, entre outros. Estudar as coisas criadas é uma das formas dadas por Deus ao homem para conhecê-lo e adorá-lo. Da mesma forma, ao relacionar-se com o homem, Deus faz conhecidos outros atributos, como amor, misericórdia, imensidão etc. A revelação geral é denominada “a luz divina que ilumina todos os homens”.

Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das Suas mãos. Sl 19.1

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis. Rm 1.20


6.2. REVELAÇÃO ESPECIAL
A revelação especial está fundamentada na obra redentora de Deus, efetuada por Jesus Cristo, e tem o objetivo de suprir as necessidades espirituais e morais do homem e restaurar sua comunhão com Deus. Através da revelação especial o homem é restaurado pela obra redentora de Cristo e recebe de Deus as “ferramentas” necessárias para ouvir, entender e obedecer Sua vontade: nova mente, novo coração e a fé. O Espírito Santo passa a habitar nesse novo homem que deseja intensamente adorar a Deus como manifestação de gratidão pela redenção.

Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Mt 11.27

Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo. 1 Pe 1.13


7. BIBLIOGRAFIA
BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada: volume 1; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Manual de Doutrina Cristã; traduzido por Joaquim Machado. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. 4ª Edição Revisada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

TURRENTINI, François. Compêndio de Teologia Apologética: volume 1; traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.




[1] BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 269.
[2] Id., p. 276.

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